Debates
Pessoas com deficiência não podem sofrer segregação no sistema educacional
Da Redação | 10 de dezembro de 2020 - 02:46
Por Viviane Limongi
E quase no apagar das luzes de 2020, um ano repleto de
inseguranças, que também atingiram a área da educação, o Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu pela suspensão dos efeitos do Decreto 10.502 que
instituiu nova política nacional de educação especial às pessoas com
deficiência. A suspensão vem em boa hora. Chega ainda em tempo de se pensar na
estratégia de ensino a ser adotada em 2021 pelas famílias de pessoas com
deficiência. Ou, pelo menos, chega a tempo de impedir que famílias, no
afogadilho e premidas por pressões externas, retirem seus filhos das escolas
regulares.
Mas, afinal, do que trata o Decreto?
O Decreto 10.502 não nasce de forma preconceituosa. Criado
com boa intenção, ele tem o objeto principal de fornecer serviços e recursos
especializados à deficiência de cada educando. Para isso, previu a criação de
escolas especiais destinadas às especificidades de cada deficiência, sob o
argumento de uma política inclusiva.
No entanto, o Decreto deixou de ratificar o conteúdo
principiológico da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com
Deficiência, ao prever a criação de escolas e classes especiais. Isso porque a
Convenção reitera o compromisso de plena e efetiva participação e inclusão na
sociedade, bem como o respeito pela diferença como parte da diversidade humana.
Divisa-se, portanto, que o Decreto carrega em si preconceito
e discriminação, ao voltar a segregar as pessoas com deficiência na educação
especial, em vez de reforçar a necessidade de adoção de medidas eficazes para a
promoção de uma sociedade inclusiva.
Sabe-se que o direito reflete os valores de seu
tempo. Miguel Reale, em sua teoria tridimensional do direito, já afirmava
que o fenômeno jurídico deve ser compreendido sob três aspectos: fato jurídico,
valor e norma propriamente dita, do que se conclui que o fenômeno cultural, os
valores, possuem fundamental importância na análise da norma.
E, na espécie, o valor que deve ser atendido pela legislação
não é a segregação, mas, ao contrário, a inclusão. Inclusão esta que vem
florescendo no espectro jurídico e social. Inclusão que desabrocha junto com o
reconhecimento das potencialidades das pessoas com deficiência.
A efetiva inclusão no ambiente escolar regular trará
benefícios a todos: aos educandos com deficiência que poderão, finalmente,
elaborar um projeto de vida e ascender a postos e cargos; e aos educandos sem
deficiência que desenvolverão, além das capacidades intelectuais, o aspecto
sócio afetivo, correlacionado ao respeito à diversidade, cooperação,
solidariedade e motivação.
Uma sociedade justa e solidária, como preconizado pela
Constituição Federal, é formada por pessoas que tenham desenvolvido também a
potencialidade sócio afetiva, como dimensão vital do ser humano. Estes são
os valores trazidos com a Convenção Internacional e a Lei Brasileira de
Inclusão. Estes são os valores da atual concepção social da deficiência,
sob a égide dos direitos humanos.
É fundamental entender que os alunos com deficiência não
podem e não devem sofrer nenhuma segregação, especialmente, no sistema
educacional. A pessoa com deficiência tem direito a educação de qualidade, em
escola regular, com as adaptações necessárias para garantir um aprendizado em
condições de igualdade, promovendo a sua autonomia. E, nesse ponto, um efetivo
programa educativo individualizado possui muita relevância.
Vale destacar também que, por lei, é direito o ensino do
sistema braile, libras e o uso de tecnologia adequada para que o estudante
possa ampliar suas habilidades funcionais e participar com igualdade. O
deficiente também tem direito à educação superior, profissional e
tecnológica, com as mesmas oportunidades que os demais alunos.
A inclusão de alunos com deficiência é e continuará a ser um
desafio. No entanto, esse desafio não pode culminar com limitações à matrícula
e à estada da criança com deficiência na escola regular, mesmo porque qualquer
conduta discriminatória é passível de punição na esfera criminal.
Estes são os valores atuais da sociedade. Esse é o nosso desafio.
Viviane Limongi é mestre e doutoranda em Direito Civil e sócia do escritório Limongi Sociedade de Advogados