Debates
Lulismo e bolsonarismo
Da Redação | 17 de novembro de 2020 - 01:34
Por Mário Sérgio de Melo
O lulismo inaugurou a consciência de classe no Brasil, os
trabalhadores que vivem constante risco de desemprego ou de aviltamento dos
salários. O lulismo surgiu da organização sindical de metalúrgicos de grandes
fábricas paulistas. Prosperou graças à organização sindical e ao carismático
Lula. Os sindicatos viraram partido político, que cresceu, conquistou
prefeituras, estados, a presidência da república. O lulismo espalhou-se pelo
Brasil. O Partido dos Trabalhadores tornou-se o maior do país. No governo, o PT
promoveu lenta reforma, melhorou a vida dos mais pobres, mas sem ameaçar os
privilégios dos mais ricos. Diminuiu a miséria, mas não aprofundou a
consciência política.
O segregacionismo e o medo fizeram os ricos atacarem ferozmente
o PT e Lula: sequestradores de Abílio Diniz com camisetas do partido enfiadas
pela polícia, imputação de toda a corrupção do país ao PT, massacre midiático, sabotagem
do governo Dilma e golpe, prisão de Lula, o insano que esfaqueou Bolsonaro
também com camisa vermelha enfiada pela polícia, são algumas das tramoias para
tentar destruir o lulismo.
As elites engendraram Bolsonaro e o bolsonarismo. Eles não o
queriam, mas ele se elegeu graças às forças que antes elegeram o Brexit e Trump:
a chuva de mentiras nas redes sociais. Bolsonaro não era o preferido, mas
distrai a população com patetadas diárias, destrói o Estado, loteia o país e
aprofunda o fosso entre a multidão de pobres e os ricos cada vez mais ricos. Um
fantoche, cumpre bem o papel desejado pelos ricos.
Os apoiadores do capitão não estão só nas federações e
grandes corporações, na classe média retrógrada verde-amarela, na malta de
lambe-botas que cerca o mito em suas aparições, nos comandos militares afeitos às
ordens cegas, nos políticos picaretas. O bolsonarismo está também nas famílias pobres,
nos desempregados e subempregados, nos funcionários do Estado sucateado, nos
militares de baixa patente, nos evangélicos, nas mulheres assediadas, nas segregadas
minorias étnicas, de gênero, etc.
Como explicar essa virulenta disseminação? Em parte é
resultado da demonização contra o PT e Lula, financiada pelos ricos. É pela
falta de uma consciência política mais firme da população explorada. É pela
ilusão de um outro caminho capaz de trazer prosperidade e justiça social ao
país. Mas isso não explica o fanatismo, que inclui a discriminação, a
violência, o negacionismo, a boçalidade e a mentira. Qual o algo mais que
justifica o bolsonarismo?
Analistas explicam que a força do bolsonarismo está baseada
em fatores psicológicos, não sociais. Os bolsonaristas identificam-se com a
truculência, o despotismo, a ignorância e a chulice do seu mito. São assombrados
por fantasmas pessoais, não conseguem perceber além de si mesmos, para a
complicada dimensão dos problemas sociais. A identidade do bolsonarismo não
estaria, então, numa classe social, mas num traço de personalidade.
Parece que voltamos ao velho dilema humano, que Buda, Cristo, Maomé e outros tentaram elucidar: entre o egocentrismo e a solidariedade, só esta última salva.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG