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Como fica a qualidade da Educação pública com a transição municipal?
Da Redação | 16 de novembro de 2020 - 03:51
Por Maria Paula Mansur Mäder
Imagine que um dia, ao levantar, todas as suas experiências
e trajetória são completamente apagadas da sua memória. Tudo aquilo que você
aprendeu, seus erros e acertos, são completamente esquecidos. E mesmo assim,
você precisa seguir em frente. Trabalhar e aprender tudo de novo. Na Educação
brasileira, muitas iniciativas e boas práticas mudam de rumo ou não sobrevivem
às trocas de gestão. Muitas vezes, aquilo que foi planejado e cuidadosamente
implementado pela gestão anterior é descontinuado. Os investimentos e os anos
de trabalho são desperdiçados.
Assim, a transição de governos exige responsabilidade. Na
Educação, bons resultados não surgem de uma hora para outra. A continuidade e o
aperfeiçoamento de projetos e políticas são essenciais para impactar
positivamente e de forma consistente a aprendizagem e o futuro dos estudantes.
Um exemplo disso é o Fundeb, que não teria se tornado realidade sem o seu
antecessor - o Fundef. Isso também vale para o Ideb. Se o seu precursor, o Saeb
tivesse sido descontinuado, não teríamos hoje esse índice tão importante para a
avaliação da Educação.
A Educação é, necessariamente, um processo de longo prazo.
Ela ocorre, muitas vezes, em processos geracionais. Está sujeita a mudanças nos
costumes, na moral da sociedade, na tecnologia, e assim por diante. O fato é
que cidadãos são constituídos a partir da Educação. É ela que fundamenta o
exercício de cada um de nós na sociedade. Se há uma gestão, uma política
pública que deve ter o maior cuidado, a maior parcimônia em sua interrupção ou
sua modificação, é a Educação. Ela representa o próprio poder evolutivo de uma
sociedade.
E os gestores públicos, os secretários da Educação têm essa
imensa responsabilidade. Pode haver uma alternância de poder, mas o compromisso
que a sociedade tem com a Educação de qualidade não pode ser interrompida. Se
houve desvios na gestão anterior, que sejam corrigidos, mas todos os méritos
devem ser reconhecidos.
Por isso, participar de uma transição política ética e
harmoniosa, pautada por valores morais, em que o bem comum esteja acima de
concorrências políticas, é um primeiro passo para a trilha do desenvolvimento
social. Transcender as diferenças políticas e ideológicas, bem como manter um
ambiente de diálogo, escuta ativa e colaboração mútua entre os que chegam e os
que deixam seu legado, dentro dos cargos de secretarias e prefeituras é, sem
dúvida, uma atitude real de compromisso social. O compartilhamento de
informações entre a gestão que inicia e a que termina colabora na implantação
de um plano de governo mais efetivo – e assumir posturas de resiliência,
diplomacia e cooperação são determinantes para atender o real motivo da função
pública: o bem-estar da população.
Neste momento de transição política, mais do que nunca, é
preciso que os gestores educacionais estejam abertos a uma gestão
horizontalizada, na qual a colaboração é o eixo norteador, promovendo um
trabalho em rede. Os movimentos de colaboração entre municípios, sejam eles na
forma de Câmaras Técnicas de Consórcios, Arranjos de Desenvolvimento da
Educação, ou mesmo fóruns e colegiados, constituem importantes espaços para
endereçar projetos comuns, em favor da Educação pública. A partir da
instituição de uma rede de colaboração, os dirigentes municipais e equipes
passam a atuar de forma conjunta, visando superar desafios comuns às suas
redes.
Ao atuar em redes, os gestores da Educação atuam com uma
visão sistêmica e transpartidária. Assim como a política não é para qualquer
um, segundo o ex-presidente da República Checa, Václav Havel - e pressupõem um
desapego muito grande, o gestor de Educação deve ter um compromisso ainda maior
com a integridade da gestão pública em função da sua responsabilidade de longo
prazo com a sociedade.
Mas os grandes planos e metas das iniciativas que ocorrem em
regime de colaboração, que beneficiam tantos estudantes brasileiros, só se
tornarão realidade se houver atendimento às leis, organização prévia e
liderança. A qualidade da transição desse governo depende de cada um de nós. A
continuidade das ações realizadas em regime de colaboração também.
Maria Paula Mansur Mäder é doutora em Educação e
coordenadora de produção e disseminação de conhecimento do Instituto Positivo.