Debates
Compliance e os Partidos Políticos no Brasil
Da Redação | 14 de novembro de 2020 - 01:43
Por Yuri Sahione
A relação da política com crimes remonta a ancestrais marcos
civilizatórios da humanidade, sendo numerosos os relatos históricos de
detentores do poder, muitas vezes legítimos, que abusaram de seus mandatos,
frustrando a expectativa de seus representados para reverter o usufruto da
coisa pública e da gestão estatal em benefícios pessoais. Na percepção da
realidade política brasileira, esses agentes políticos sempre foram vistos como
personalidades egocêntricas, carreiristas e aproveitadoras, mas antes de tudo,
pessoas que se confundiam com o Estado e que, por vezes, eram mais fortes do
que as próprias instituições.
Foi com o escândalo do mensalão (2005), que se percebeu um
papel destacado dos partidos políticos no suporte daqueles que sempre pareceram
sozinhos nas empreitadas criminosas.
Já a Operação Lava-Jato (2014) desnudou o fato de que siglas
de representação foram colocadas como verdadeiros instrumentos facilitadores do
recebimento de valores fruto de corrupção, permitindo a prática da lavagem de
capitais via contribuições eleitorais.
A zona cinzenta em que se colocaram muitos partidos fez com
que o Supremo Tribunal Federal (STF) chegasse a reconhecer, em julgamento de
ação penal originária – relacionada à Lava-Jato, que doações eleitorais
poderiam ser descaracterizadas como tal, para nelas ver reconhecido o pagamento
de vantagem indevida fruto de corrupção.
Constatado pelo STF que a relação entre candidatos e
empresas deu margem a conflitos de interesses e a vantagens indevidas, a medida
adotada pelo Supremo no sentido de vetar a participação de empresas no pleito
eleitoral como doadores, não elimina por completo os riscos a que os partidos e
a sociedade estão sujeitos.
Por outro lado, no último processo eleitoral, o tema do
combate à corrupção foi uma das pautas decisivas para a definição dos
mandatários em nível federal e estadual, bem como tema dos mais explorados
pelos candidatos durante as campanhas eleitorais. Foi comum identificar nas
propagandas dos partidos menores ou dos recém criados, referências à legenda
adversária como sendo a que contemplava determinados candidatos presos ou
acusados de corrupção. Nas eleições municipais de 2020 essa pauta continua em
destaque e a maioria dos candidatos às prefeituras apresentam medidas de
combate à corrupção em seus planos de governo.
A alteração da abordagem para vincular o partido, e não só
apenas o candidato, fez com que algumas siglas mudassem de nome e iniciassem
seus processos de renovação de seus quadros diretivo e associativo.
Entretanto, esse novo paradigma da política imposto no
último processo eleitoral não pode levar a resultados cosméticos. Nesse
sentido, relevante a iniciativa apresentada no Projeto de Lei nº 60/2017,
aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados para revisão, o qual prevê a responsabilização objetiva do
partido político cujos dirigentes, no exercício de suas funções, praticarem
atos contra a Administração Pública, prevendo ainda, a responsabilização desses
próprios dirigentes.
Na essência dessa proposição, são considerados ilícitos
passíveis de responsabilização do partido e de seus dirigentes atos de corrupção,
utilização de laranjas, o estímulo ou apoio à prática de atos ilícitos – lógica
do projeto de poder – ou mesmo embaraçar a ação fiscalizadora dos órgãos
competentes. Em outras palavras, os ilícitos definidos são alguns dos já
previstos na chamada Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13).
À semelhança da lei que inspirou tal proposta, os partidos
que dispuserem de um programa de compliance poderão ter eventual sanção
atenuada. Os parâmetros para o programa de integridade são os mesmos já
consagrados pela legislação anticorrupção brasileira – incluídas suas
regulamentações – e que atendem aos padrões internacionais. Nada de novo, pois
não há necessidade de reinventar a roda, mas sim de fazê-la girar.
Outra proposição é o projeto de lei nº 429/2017 também do
Senado, que torna obrigatório que partidos tenham um programa de integridade
nos moldes já previstos na legislação, mas especificando cuidados na realização
de diligências para conhecer melhor doadores de altas quantias. O diferencial
dessa proposta, além da obrigatoriedade do programa, é a sanção de suspensão do
recebimento de verbas do Fundo Partidário ao partido que não implementar o
programa ou, ao implementá-lo, não o torne efetivo.
Em linhas gerais, para os partidos, o programa deverá
cumprir a sua finalidade de prevenir, detectar e remediar desconformidades,
contando com normativos como código de ética e conduta, um canal de denúncia e
mecanismos regulares de auditoria.
Referido projeto de lei já foi aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado e aguarda a votação em plenário desde janeiro
de 2020. Mesmo que alguns partidos de oposição tenham manifestado resistência
às propostas, os efeitos práticos dos projetos já começam a ser percebidos.
Os partidos MDB, PDT, Podemos, PSDB, PSL e PT anunciaram,
entre 2017 e 2019, que contratariam assessorias especializadas na implementação
de programas de compliance.
O PSL, ex-partido do Presidente Bolsonaro, à época sob o enfoque
de uma investigação de “candidaturas laranjas”, foi o primeiro a anunciar
publicamente o início da implementação do seu programa de integridade. Notícias
recentes apontam que a assessoria externa contratada pelo PSL, inclusive,
interferiu na decisão do partido sobre a definição dos critérios de divisão das
verbas que seriam repassadas às campanhas dos candidatos a prefeitos e
vereadores. O partido é destinatário de R$199 milhões do fundo eleitoral das
eleições de 2020. Inicialmente, atendendo uma exigência legal, o PSL informou
ao Tribunal Superior Eleitoral que 50% do valor recebido seria distribuído a
critério exclusivo da executiva nacional da legenda, no entanto, por orientação
da assessoria de compliance, transferiram a decisão dos critérios de rateio
para uma comissão.
O MDB, apesar de anunciar em 2017 sua intenção de adotar um
programa de compliance, ainda não o implementou. Já com relação ao PT, em que
pese o projeto de compliance ter sido aprovado em 2018, a implementação do
programa também não ocorreu. Em 2019, o PSDB criou um código de ética e
políticas internas de integridade e conformidade, contudo, não havia ainda uma
estrutura para gerenciar e aplicar o programa de compliance. Segundo o partido,
a previsão para a conclusão de todas as etapas de implementação do programa de
compliance é 18 meses. O Podemos, por sua vez, tem realizado uma série de
reuniões com o propósito de obter uma visão mais ampla para o programa que,
segundo eles, está em fase de desenvolvimento.
Essas iniciativas, de antecipar uma legislação que ainda
sequer foi aprovada, indica a preocupação geral dos principais partidos do país
em responder aos anseios da sociedade, no sentido de consolidar os princípios
de transparência e ética na política.
Nesse sentido, constata-se que o tema do compliance chegou
efetiva e definitivamente aos partidos políticos e está associado também a um
imprescindível processo de reinvenção e modernização da política nacional que
será o catalisador de uma mudança de postura política que deverá impactar as
próximas eleições. Resta, no entanto, que estes partidos prossigam com a
implementação de seus programas de compliance, de maneira a atender os
rigorosos padrões e normas de integridade usualmente adotados, a fim de que
suas intenções manifestadas anteriormente venham a se concretizar.