Debates
Covid-19 e os mais vulneráveis: estamos todos no mesmo barco?
Da Redação | 16 de maio de 2020 - 02:38
*Ana Carolina Pinto Franceschi
**Olympio de Sá Sotto Maior Neto
***Rafael Osvaldo Machado Moura
Nestes tempos de pandemia, tem-se revelado que, em certo
aspecto, todas as pessoas encontram-se no mesmo barco (locus), de modo que cada
qual – mesmo os mais distantes – é impactado pelas ações dos demais, e todos
estão suscetíveis a riscos de saúde. A conduta do indivíduo que não respeita as
normas sanitárias pode interferir negativamente no seu semelhante, por mais
alheio que este esteja daquele. Tudo e todos estão conectados. Cada realidade é
parte de um todo indivisível e revela-se apta a deflagrar as mais contundentes
sequências causais, como alerta Fritjof Capra no livro “A teia da vida”.
Apesar disso, o vírus não afeta a todos os tripulantes da
embarcação de idêntico modo. Há pessoas inseridas em grupos de risco da doença,
expostas a determinados fatores especiais que as tornam mais propensas ao
contágio ou a complicações de saúde. Autoridades médicas têm advertido que
idosos e portadores de doenças crônicas formam o grupo de risco da covid-19 e
apresentam maiores chances de agravamento de saúde em caso de contágio.
Há, porém, que se enxergar além das comorbidades clínicas,
visto que circunstâncias sociais negativas também ampliam a probabilidade de
complicações diante da covid-19. É preciso, pois, reconhecê-las. Aqueles que se
encontram marginalizados, isto é, à margem dos benefícios produzidos pela
sociedade, correm riscos redobrados de morte. A ausência de saneamento básico,
de moradia apropriada, de alimentação adequada e de itens elementares de
higiene – como água, sabonete, energia elétrica etc. – deixa absolutamente
desamparada expressiva parcela da população empobrecida em face do novo
coronavírus e bloqueia-lhe o acesso a condições mínimas do necessário
isolamento social. Isso sem contar os trabalhadores que, por falta de opção,
aglomeram-se no transporte público. A escandalosa desigualdade social
brasileira contribui decisivamente para o incremento no número de mortes.
Bairros periféricos e de menor índice de desenvolvimento humano são os que
proporcionalmente ostentam os maiores índices de letalidade. Na cidade de São
Paulo, por exemplo, a mortalidade da covid-19 em tais regiões é até dez vezes maior que nas demais.
Igualmente, a cor da pele é fator de risco para a doença e
seu desenlace fatal, em função do racismo estrutural. Na cidade de São Paulo, a
título de ilustração, dados indicam que pretos têm 62% mais chances de morrer
por covid-19 do que brancos, enquanto os pardos têm risco 23% superior, de
acordo com análise feita pelo Observatório Covid-19 e pelo
município de São Paulo.
Assim, mesmo estando todas as pessoas expostas ao ainda
desconhecido e perigoso vírus, algumas sofrem mais os seus efeitos negativos,
de modo que não é possível pensar no enfrentamento à doença sem se levar em
consideração os fatores sociais e raciais de determinados grupos sociais, sob
pena de aderir-se a um “darwinismo social” perversamente camuflado, a eliminar
os mais vulneráveis.
Por isso, o Ministério Público do Paraná tem requisitado ao
poder público a implementação dos direitos humanos sociais – assistência
social, alimentação, moradia, educação em saúde etc. –, sobretudo nos locais de
maior vulnerabilidade social, como comunidades tradicionais, aldeias indígenas,
regiões com concentração de migrantes e pessoas em situação de rua, bairros
periféricos, ocupações informais e bairros rurais, entre outros. Em dias de
aguda crise social, é importante recordar as palavras do genial Charles
Chaplin, para quem “neste mundo, há espaço para todos, e a terra, que é boa e
rica, pode prover todas as nossas necessidades”.
* Promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Promoção
dos Direitos da População em Situação de Rua (Núcleo POP Rua) do Caop de
Proteção aos Direitos Humanos
** Procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça (Caop) de Proteção aos Direitos Humanos
*** Promotor de Justiça do Caop de Proteção aos Direitos
Humanos