Debates
Os impactos do carro elétrico e autônomo na economia
Da Redação | 01 de fevereiro de 2020 - 01:52
Por Rogério Borili
O carro 100% autônomo vem sendo testado em diversos lugares
do mundo, mas além da discussão sobre segurança de dados e pessoas, há
muitos outros fatores a serem considerados.
O processo de eletrificação dos automóveis tem sido
prioridade, principalmente pela questão ambiental - tão
discutida recentemente. Porém, a fabricação do carro
elétrico gera mudanças significativas no mercado, o que nos leva a
criação dos carros híbridos com um meio de transição, pois além
dos gastos, há toda uma mudança na cadeia industrial que requer tempo para
estruturação até chegar à fabricação em larga escala. O modelo
híbrido oferece o tempo necessário para que todas essas questões se
desenvolvam com a naturalidade que o mercado precisa.
O segundo ponto é a fase de adequação da cadeia de
fornecedores, visto que para a produção do carro elétrico e autônomo
são necessárias matérias-primas diferentes, o que influencia diretamente na
balança comercial do país, já que alguns produtos deixarão de ser
importados para serem substituídos por outros, importados ou não.
Diante disso, haverá uma transformação radical
no aspecto tributário, uma vez que a modificação das
matérias-primas causa a mudança na tributação do produto final. Por
exemplo: no automóvel tradicional, o preço do aço gera uma forte
influência nos tributos, mas para o carro elétrico possivelmente
o níquel será o elemento de maior influência devido ao uso das
baterias. As montadoras deverão avaliar criteriosamente os
benefícios fiscais de cada produto envolvido a fim de gerar maior
lucratividade neste sistema de produção e usar a tecnologia para não perder
tempo e evitar erros nesta análise, o que poderia gerar custos
exorbitantes e desnecessários.
Outro ponto, não menos importante, é o conflito de
interesses com a indústria do petróleo que perderá força com a propagação
do carro elétrico. Além disso, a inserção do carro autônomo no
mercado impacta diretamente no tipo de profissionais e
fornecedores, como a maior necessidade de engenheiros elétricos
do que mecânicos, mais profissionais de tecnologia envolvidos e assim por
diante. Outros tipos de recursos como luzes de sensores nas
vias e apps também serão necessários, de forma que, como toda grande
mudança tecnológica, novas necessidades serão criadas, assim como novas
empresas e serviços.
Há ainda a questão de abastecimento. Postos de
combustível estão ao alcance em qualquer lugar, mas não há tomadas de
energia na mesma proporção para carregar o carro elétrico. Embora
seja possível utilizar tomadas comuns para isso, seriam necessárias, em
média, 12 horas de conexão para que o automóvel esteja apto para
uso. No geral, principalmente no Brasil, a infraestrutura está totalmente aquém
das necessidades e, ainda que a indústria esteja em transformação, muitas
adaptações devem ocorrer para dar condições de desenvolvimento e
uso do carro autônomo em volume de mercado.
Voltando à discussão ecológica, há também um
paradoxo: enquanto o automóvel tradicional emite uma grande quantidade de
gás carbônico prejudicando o meio ambiente, o carro elétrico gasta mais
CO2 para sua construção, além do problema de reciclagem de baterias, algo que precisará
ser reavaliado pela indústria.
Especificamente no Brasil, além de todos os pontos
levantados, há a questão de evolução tecnológica e econômica. Embora o
país tenha importantes polos tecnológicos e muito potencial para
desenvolvimento, ainda recebemos novidades importadas nesse quesito.
Soma-se a isso a falta de infraestrutura e inadequação da cadeia
de produção e corre-se o risco de o Brasil ter sempre os modelos que
caem em desuso nos países mais desenvolvidos, se tornando o "lixão" da
indústria automobilística. Dentro deste contexto, vale a
pergunta: quantos brasileiros teriam condições financeiras de adquirir um
carro elétrico e autônomo hoje em dia?
Diante de tudo isso, é possível concluir que o carro 100% elétrico e autônomo só será possível, especialmente no Brasil, quando a economia estiver estável o suficiente para receber os investimentos necessários, tanto financeiros quanto em novas tecnologias, cadeia de produção e mão de obra especializada e de custo acessível. Somente assim haverá produção em larga escala e aceitabilidade da população, com infraestrutura adequada, níveis de segurança necessários e preços mais justos.
Rogério Borili é Vice-presidente de tecnologia da Becomex