Debates
Prefeitos são desafiados a implantar sistema justo para resolverem problemas do lixo
Da Redação | 03 de janeiro de 2020 - 02:01
Por Rodrigo Oliveira
A popularização de assuntos como a coleta seletiva e a
reciclagem está aumentando, cada vez mais, na Internet e na casa dos
brasileiros, principalmente entre os mais jovens que, com acesso ás
informações, têm se conscientizado sobre a importância dos temas. Apesar do
crescente interesse, no Brasil, 41,6% das 78,3 milhões de toneladas de resíduos
gerados anualmente ainda têm destinação inadequada, segundo levantamento da
Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais
(Abrelpe). De acordo com uma outra pesquisa, do Banco Mundial, caso não ocorra
uma mudança nos atuais padrões, a quantidade de lixo despejada no mundo
crescerá 70% até 2050.
Para que a mudança ocorra, a conscientização da população
para o tema é essencial -- um estudo feito pelo Ibope por encomenda da
cervejaria Ambev releva que 75% das pessoas dizem não separar os materiais
recicláveis em casa -- porém, não há qualquer incentivo econômico para que
ocorra esta mudança. Redigido desde 2012, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos
apresenta os Incentivos Econômicos como uma ferramenta fundamental para
financiar os serviços de limpeza pública, orientar o comportamento da população
e, assim, responsabilizar os impactos gerados pela quantidade de resíduos
produzidos trazendo, na prática, o conceito do “poluidor pagador”. Neste
sentido, o plano possui exemplos de incentivos econômicos adotados em outros
países e que podem servir como guia para a realidade brasileira. Dentre eles,
um dos principais sistemas de cobrança amplamente usada na União Europeia,
conhecida como “Pay-As-You-Throw” (PAYT), traduzido para Responsabilidade Proporcional
ao Descarte (RPD).
Quando existe, o sistema municipal de cobranças pela coleta
de lixo, com taxas fixas ou valores embutidos no Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana (IPTU), é deficitário financeiramente e não conta
com os incentivos necessários para que a população se engaje em reduzir a
geração e realizar o descarte adequado -- o que só contribui para o aumento da
produção de lixo e para a baixa taxa de reciclagem. Como solução, as
prefeituras precisariam tomar a decisão de criar decretos municipais, com o
apoio do poder legislativo, para instituir a precificação unitária, conforme
previsto na Política Nacional de Saneamento (11.445/2007).
Assim como funciona com energia ou o abastecimento de água,
um sistema com um valor unitário para resíduos sólidos faz com que se pague de
acordo com a quantidade de lixo gerada por cada imóvel. Isso estimularia a
redução do total de resíduos e faria com que as pessoas separassem os materiais
recicláveis para economizar. É um sistema mais igualitário onde aqueles que
mais demandam do sistema de limpeza pública passem a pagar mais. Conhecido
mundialmente, o sistema PAYT já é uma realidade há quase três décadas em mais
de dez países das Américas, Ásia e Europa e começa a ser discutido no Brasil.
A precificação unitária proporciona uma arrecadação
específica capaz de cobrir a totalidade dos custos municipais de coleta,
destinação e tratamento dos resíduos. Por um lado, faz com que a gestão de
resíduos não dependa do tesouro municipal, que poderá dedicar sua arrecadação
como IPTU, ISS e repasses para segurança educação e saúde, por outro, acaba a
inadimplência com as empresas de coleta e destinação de resíduos, estimada em
mais de 10 bilhões de reais segundo a Associação Brasileira de Limpeza Pública
(ABLP).
Um formato adequado para implantação do sistema RPD no
Brasil é o de sacos oficiais de lixo, com logotipo da prefeitura, que seriam
vendidos nas lojas do varejo. O valor dos serviços de coleta, tratamento e
destinação dos resíduos estaria embutido no preço de venda dessas sacos de
lixo. E apenas eles seriam recolhidos pelas empresas responsáveis pela coleta,
num sistema simples e eficaz. Falta apenas que um prefeito implante e sirva de
exemplo para os outros.
A grande questão é que, o formato atual de cobrança é
injusto com o contribuinte, pois hoje ele paga pela coleta de um vizinho que
gera mais lixo ou mesmo do comércio ou restaurante que são atendidos pela
coleta domiciliar. Ou seja, além de não pagar por uma taxa de acordo com o que
descarta, deixa de criar hábitos sustentáveis como a separação de material
reciclável por falta de incentivos. O retrato mais nítido é quando temos um
imóvel vazio, que não consome nem paga conta de água e luz, mas paga uma taxa
de resíduos mesmo sem gerar nada.
Com o RPD, se reduz a geração de rejeitos -- reduzindo o
gasto público com coleta de destinação, aumentariam a separação de materiais
recicláveis -- beneficiando diretamente as cooperativas de reciclagem,
reduziria o impacto ambiental, tanto por reduzir a extração de matéria prima,
como por dispor menos resíduos no meio ambiente e evitar emissões de CO2.
Infelizmente, ainda precisamos de coragem por parte do poder público para a
implementação de uma tarifação mais justa.
Rodrigo Oliveira é presidente da FRAL Consultoria,
especializada em projetos de engenharia civil, meio ambiente e
sustentabilidade.