Debates
Governos passam, o Mercosul fica
Da Redação | 20 de dezembro de 2019 - 00:33
Por Thiago Assunção
O Mercosul nasceu da reaproximação entre Brasil e Argentina,
ao fim das ditaduras militares. Até então, predominava a rivalidade, ao ponto
de os argentinos acharem que o Brasil estaria escondendo um programa de armas
nucleares. Os Presidentes Sarney e Alfonsín selaram um acordo, no final dos
anos 80, que colocou fim à desconfiança recíproca.
Com o Tratado de Assunção (1991), que incluiu Paraguai e
Uruguai, os quatro países se tornaram grandes parceiros comerciais. As trocas
de produtos entre eles se multiplicaram por nove, e isso beneficiou e muito o
Brasil. Na relação com a Argentina, nosso terceiro maior parceiro comercial, o
país manteve constantes superávits nos últimos dez anos.
Mas o Mercosul é muito mais do que comércio. Em 1998 foi
adotado o Protocolo de Ushuaia sobre democracia. O objetivo é proteger os
países membros de rupturas democráticas, ao possibilitar a suspensão daqueles
que não respeitem o estado democrático de direito. Em 2007, para reduzir as
assimetrias e melhorar a infraestrutura regional, foi criado o FOCEM - Fundo
para Convergência Estrutural do Mercosul. Já foram investidos US$ 1,4 bilhão em
mais de 40 projetos nas áreas de transporte, saneamento, energia, saúde e
moradia.
O Mercosul também beneficia diretamente as pessoas. É
possível obter uma residência temporária em outro país membro, bastando não ter
antecedentes criminais. Essa medida facilita a circulação de pessoas, inclusive
muitos brasileiros que estudam, trabalham ou fazem negócios com os vizinhos.
Para se fazer turismo, basta apresentar o RG. Ainda, quem trabalha em qualquer
país do Mercosul tem acesso à seguridade social, o que possibilita contabilizar
tempo de serviço para a aposentadoria.
Ademais, foi criado um sistema de acreditação de cursos
superiores. Tentou-se criar também um sistema de mobilidade acadêmica. Nesse
sentido, penso que se avançou pouco, o que é uma lástima, pois uma das melhores
maneiras de se criar laços de integração entre os povos se dá por meio da
educação.
Por fim, após vinte anos de negociações, finalmente se
alcançou um acordo Mercosul-União Europeia. Apesar das dificuldades que deve
enfrentar para ratificação na Europa, tanto por interesses comerciais próprios,
quanto pela imagem que o Brasil tem passado em termos de (desconstrução da)
proteção ambiental, o acordo traz avanços. Segundo
estimativas, investimentos europeus no Brasil poderiam chegar aos US$ 113
bilhões em 15 anos.
Portanto, jogar fora essa construção histórica que, além de
econômica, é também geoestratégica, política, social e cultural, para nos
aventurarmos isolados na América do Sul, pensando apenas no nosso próprio
interesse, seria um grande retrocesso. Os governantes do continente precisam
aprender a distinguir Estados de governos, e não deixar que suas preferências
ideológicas afetem o relacionamento de longo prazo, cuidadosamente arquitetado
e com interesses mútuos e complementares, entre nações amigas. E o mesmo
valeria para a Unasul, que em vez de eventualmente reformulada, foi tristemente
abandonada, para se começar tudo do zero.
*Thiago Assunção, advogado, pesquisador e consultor
internacional, é doutor em Direito Internacional pela USP, e professor da
Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.