Debates
Um trator sobre a autonomia dos municípios
Da Redação | 20 de novembro de 2019 - 03:07
Por Francis Augusto Goes Ricken
A PEC 188/2019, que trata da necessidade de comprovação de sustentabilidade
financeira dos municípios, tem como principal objetivo restringir a existência
de unidades com até 5 mil habitantes cujo produto da arrecadação dos tributos
não corresponda ao mínimo de 10% das receitas brutas. A ideia é incorporar os
municípios que dependem de recursos de repasses do governo federal, por outros
municípios, com o objetivo de criar maior sustentabilidade fiscal – concepção
bonita no papel, mas inexequível no mundo político.
A proposta é um atropelo constitucional, esbarrando em diversos aspectos que
devem ser revistos e considerados, além de ser de difícil tramitação no
Congresso Nacional; afinal, necessita do aval daqueles que dependem de votos e,
como de praxe no governo Bolsonaro, é uma proposição pouco debatida e estudada
pela base aliada.
A criação de um município possibilita que o contingente populacional daquela
localidade possa exercer direitos políticos por meio de eleições e criar
representantes eleitos. Os municípios cumprem um papel fundamental para o
exercício dos poderes políticos, estabelecimento de processos civilizatórios e
para a manutenção e organização das elites políticas. Impossibilitar esse
exercício é fechar a porta para a representação do cidadão e abrir a janela
para a sensação de não pertencimento ao sistema político daqueles que residem
em pequenos municípios – um tiro no peito daqueles que clamam pelo exercício da
cidadania.
Isso não é problema da nossa Constituição e sim das autoridades políticas que,
de forma irresponsável, incentivaram a criação de inúmeros municípios na década
de 90 e início dos anos 2000. Um julgamento emblemático do STF sobre o tema foi
a criação do município baiano de Luís Eduardo Magalhães, à revelia da
Constituição, para atender os caprichos de um líder político poderoso. O estudo
de viabilidade do município veio a público depois da realização da consulta
popular por meio de plebiscito, estabelecendo uma situação que fragilizou o
texto constitucional sob a tutela do Supremo Tribunal Federal. Tudo bem; hoje,
Luís Eduardo Magalhães é um município em pleno desenvolvimento, mas sua
discussão no STF gerou reflexos nefastos na nossa visão sobre o federalismo
brasileiro.
Pensar em sustentabilidade financeira é importante, é uma forma de criar
sustentabilidade para a máquina pública, mas estabelecer isso após a criação de
diversos municípios é o mesmo que derrubar as bases de uma edificação ao
término de sua construção. O trator do governo não pode quebrar princípios
básicos do nosso texto constitucional, como a autonomia dos entes federados,
presente no artigo 18 da Constituição Federal, apenas porque o
ministro da Economia considera os mesmos insustentáveis economicamente.
O fim de municípios não irá resolver os problemas orçamentários do Estado
brasileiro, mas simplesmente fechará estruturas do poder político municipal,
que, apesar de pequenas, criaram, por meio da autonomia, um poder político
razoável capaz de resolver problemas de forma mais confiável que no passado.
Francis Augusto Goes Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor
do curso de Direito da Universidade Positivo.