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A PEC do orçamento impositivo: se fosse verdade...
Da Redação | 07 de setembro de 2019 - 02:46
Por Flávio Berti
Fruto da aprovação no âmbito da Câmara dos Deputados de
proposta de Emenda Constitucional que vincula a necessidade de aplicação de 1%
das receitas da União nas chamadas emendas parlamentares ao orçamento, despesas
a serem realizadas nas bases eleitorais dos deputados e senadores, o assunto
continua em pauta. A imprensa passou a chamar de “PEC do Orçamento Impositivo”,
dando a entender tratar-se de novidade insuportável sob o ponto de vista da
gestão financeira e orçamentária e causa de engessamento de eventuais ações do
governo, particularmente no que se refere aos investimentos públicos
necessários para desatar o nó econômico no qual o país se encontra há seis
anos, desde que percebeu-se o colapso fiscal das contas públicas.
Tais colocações parecem mal situadas e com fundamentos
fáticos e jurídicos questionáveis. Inicialmente, a ideia de orçamento
impositivo é inerente ao Estado Democrático, no qual não existe a figura do
“reizinho senhor da verdade e centralizador de todas as decisões”, no sentido
de que cabe apenas ao Poder Executivo dar aplicação àquilo que seja o resultado
do processo legislativo: as leis. Em relação ao orçamento público não é
diferente a partir do momento em que se estabelece procedimento formal para
aprovação da peça orçamentária do Governo no âmbito do Poder Legislativo,
embora caiba importante papel inicial ao Executivo de apresentar o projeto de
lei orçamentária, vale a palavra final do Congresso ao autorizar todo o
conjunto de despesas públicas à luz da previsão de receitas, o que é feito ano
após ano e cristalizado na chamada Lei Orçamentária Anual. Apenas de modo
extraordinário e fundamentado é que o Poder Executivo pode aprovar créditos
adicionais que alterem a previsão original. No mais, no mundo civilizado em que
prevalecem Governos democráticos, as leis orçamentárias têm sempre caráter
vinculado e impositivo ao Poder Executivo. No atual regime constitucional
brasileiro, fundamentado na Constituição de 1988, é assim.
Lamentável o que tem sido observado nos últimos anos é uma série de atentados às disposições da Constituição sobre orçamentos públicos, como as “pedaladas fiscais”. Isto é o que explica a situação de falência fiscal da quase totalidade dos Governos Estaduais, por exemplo, pelo que, sob a perspectiva técnica e jurídica, a PEC em questão apenas ressalta e reforça algo que já existe e deveria ser vinculante para os Governos em geral: cabe ao Executivo limitar-se a aplicar os recursos conforme o definido nas leis orçamentárias, tolhendo-se amplas possibilidades de discricionariedade e liberdade do gestor, cuja prática não se tem demonstrado adequada, haja vista o colapso fiscal de Municípios, Estados e Governo Federal. A ideia é que quanto maior a liberdade orçamentária para os gestores, quanto menos impositivo for o orçamento, quanto mais vistas grossas se fizer ao que preveem as leis orçamentárias, mais irresponsável tende a ser a gestão financeira da coisa pública. O resultado é o que a população tem sentido na pele a necessidade premente de reformas previdenciária e tributária. Mas continuamos a ouvir diuturnamente que a PEC engessa, dificulta, inviabiliza o governo. Fica a sugestão: abaixo o orçamento impositivo, abaixo a vinculação dos Governos ao que prescrevem as leis, abaixo os controles da Administração Pública: viva o caos!
*Flávio Berti é doutor em Direito do Estado e
procurador-geral do Ministério Público de Contas do Paraná. Professor da Escola
de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.