Debates
O combate a corrupção e o perigoso discurso dos procuradores da Lava Jato
Da Redação | 21 de março de 2019 - 02:45
Por Marcelo Aith
No último dia 14 de março, o plenário do Supremo Tribunal
Federal decidiu, por maioria de votos, por remeter todos os fatos imputados ao
deputado federal Pedro Paulo e ao ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes
para a Justiça Eleitoral, por entender que esta, por ser especializada, tem
"vis atractiva" em relação aos demais delitos.
O ministro Ricardo Lewandowski ao finalizar seu brilhante
voto no julgamento do Agravo Regimental no Inquérito 4435-DF, interposto contra
decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que declinou da competência para
apuração dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro imputados a Pedro Paulo
Carvalho Teixeira e Eduardo da Costa Paes, para a Justiça Eleitoral, trouxe a
passagem do Evangelho de Lucas, que reproduz uma parábola de Jesus Cristo.
Neste trecho bíblico Jesus faz uma reflexão entre o comportamento do Fariseu e
do Publicano (cobrador de impostos): "Dois homens subiram ao templo
para orar; um era fariseu e o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava em seu
íntimo: 'Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: roubadores,
corruptos, adúlteros; nem mesmo como este cobrador de impostos. Jejuo duas
vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho'. Entretanto, o publicano
ficou à distância. Ele sequer ousava olhar para o céu, mas batendo no peito,
confessava: 'Ó Deus, sê benevolente para comigo, pois sou pecador'. Eu vos
asseguro que este homem, e não o outro, foi para sua casa justificado diante de
Deus. Porquanto todo aquele que se vangloriar será desprezado, mas o que se
humilhar será exaltado!" (Lucas 18:9-14)
Com efeito, nesta parábola temos a oposição radical entre
dois orantes e dois tipos de oração: a oração arrogante e autossuficiente do
fariseu e a oração confiante e humilde do publicano. O fariseu "agradece"
por ser um justo, observante, diferenciado e separado dos
"pecadores", colocando-se diante de Deus em uma atitude de senhor e
não de servo. Toma uma posição de igualdade com Deus, na medida em que se sente
com direitos diante do Altíssimo. Por outro lado, o publicano tem a atitude
humilde. Ele, humilhado e excluído pelo sistema religioso que o considera um
pecador, é consciente de sua pequenez e de sua dependência de Deus.
Então, qual a pertinência deste excerto bíblico com os fatos
que se sucederam ao julgamento do Agravo Regimental? Absolutamente tudo, senão
vejamos.
Antes do julgamento, em entrevista para o site "O
Antagonista", o Procurador da República Diogo Castor, da Lava Jato,
afirmou que: "Embora poucos tenham percebido, há algum tempo vem
sendo ensaiado na Segunda Turma do STF o mais novo golpe à Lava Jato: a Justiça
Eleitoral é competente para todos os casos relacionados à operação em que haja
a alegação de que a propina recebida pelo político é para uso campanha
eleitoral. O argumento é que neste caso haveria conexão da corrupção com o
crime de caixa 2 eleitoral, cabendo então à Justiça Eleitoral investigar todos
os crimes federais relacionados".
Além de absolutamente deselegante as declarações do
Procurador da República, sua Excelência avoca para os representantes da Lava
Jato o bastião do combate a corrupção, demonstrando um desprezo e um
desrespeito nunca antes visto do Ministério Público Federal para com a Corte
Suprema do País. Tal como o fariseu da parábola acima destaca, o Dr. Diogo
Castor bate no peito e aponta o dedo para os "pecadores" que ousam
decidir diversamente do entendimento dos integrantes da Lava Jato. Um pouco de
espírito do publicano as vezes faz bem!
No entanto, a revolta dos Procuradores "derrotas"
continuou após a promulgação do resultado do julgamento pelo presidente
ministro Dias Toffoli. Os discursos apocalípticos de Deltan Dallagnol e de seus
"soldados", os aproximam, ainda mais, dos fariseus da parábola, pois
se colocam acima do bem e do mal, como se fossem os únicos detentores das armas
para combater a corrupção no Brasil, imputando aos milhares de promotores de
Justiça do país a pecha de inábeis. Passam a ideia de que o combate a corrupção
apenas acontecerá sobre a batuta dos procuradores de Curitiba, um equívoco
abissal.
Vociferam os integrantes da "Força Tarefa" que a
decisão proferida pelo STF Federal colocaria em xeque todo o trabalho realizado
por eles. Todavia, "esquecem" que a mesma polícia judiciária
responsável por apurar os crimes federais é a incumbida de desvelar os
eventuais crimes eleitorais. Ou seja, a Polícia Federal irá atuar na apuração
dos fatos imputados aos investigados Pedro Paulo e Eduardo Paes. Portanto, como
se pode afirmar, com tanta veemência, que o combate a corrupção no Brasil corre
risco de enfraquecimento?
Ademais, "olvidam" os doutos procuradores de
Curitiba que os juízes eleitorais de primeira instância são os juízes de
Direito das comarcas integrantes do sistema judiciário brasileiro. Será que
vossas excelências não estão preparados para julgar os crimes eleitorais e os
conexos a eles? Será que um magistrado do Rio de Janeiro não tem capacidade
jurídica-intelectual para examinar e julgar crimes como lavagem de dinheiro,
corrupção ativa e passiva, bem como de evasão de divisas? Será que os crimes
julgados pelos juízes estaduais são de menos importância se comparados aos de
competência da Justiça Federal?
Ora senhores procuradores sejam humildes como os publicanos,
não soberbos como os fariseus, Vossas Excelências não estão acima do bem e do
mal, são "pecadores" como os "cobradores de impostos" da
parábola contada por Jesus Cristo, haja vista a aberrante criação do malsinado
fundo privado para gerir recursos públicos. Vossas excelências, como seres
humanos que são, podem errar, são falíveis, embora alguns procuradores pensem o
contrário. Não podem impor suas opiniões a fórcipes.
Por certo que não se pode retirar da "Força Tarefa da
Lava Jato" seus relevantes trabalhos no desbaratamento da Organização
Criminosa que tomou de assalto a maior e mais respeita empresa brasileira –
Petrobrás, mas isso não lhes garantem o monopólio do combate a corrupção. Há
que se ressaltar que os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado – GAECO de todos os Estado do Brasil tem contribuído enormemente no
enfrentamento das Organizações Criminosas que vilipendiam os cofres públicos,
tal fato não pode ser esquecido pelo representantes do MPF de Curitiba.
Além disso, não posso deixar de registrar que a decisão
proferida pela maioria Ministros do Supremo está absolutamente correta e em
consonância com oartigo 121, "caput", da Constituição da
República, bem como com os artigo 35, inciso II, Código Eleitoral e
no artigo 78, inciso II, do Código de Processo Penal. Referidos
dispositivos destacam que na ocorrência de conexão entre crimes eleitorais e
crimes comuns (federais ou estaduais), a competência será da Justiça Eleitoral
para examinar e julgar todos os fatos.
Insta asseverar que em um Estado Democrático de Direito,
como o brasileiro, todos os Poderes e órgãos auxiliares estão subjugados ao
império da Constituição e das leis, não havendo espaços para intepretações
casuísticas. Não se pode criar uma regra de fixação de competência em afronta
os ditames constitucionais e legais, sob pena de se estabelecer Tribunais de
Exceção, abominado, visceralmente, pela Lei Maior desse país.
Por fim, retomando a questão central deste texto, considerar
que o trabalho realizado pelos integrantes da Operação Lava Jato está em risco
por não estar sob a regência do "maestro" Deltan Dallagnol é entender
que os demais promotores justiça são incapazes de combater a corrupção no país,
inclusive os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO.
Será que Deltan e seus discípulos estão corretos? Com a palavra os ilustres
Representantes do Ministérios Públicos dos Estados e os demais integrantes do
Ministério Público Federal.
Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito