Debates
Não alimente o ditador
Da Redação | 13 de dezembro de 2018 - 01:15
Por Rafael Zanlorenzi
Saio da estação de trem e dou uns vinte passos. Antes que
consiga atravessar a rua, dou de cara com o “G” multicolorido da Google em um
cartaz impresso em A4. Sob o logo, em letras pretas definitivas, uma mensagem:
“Não alimente o ditador.”
Isso vai soar estúpido, mas a primeira imagem que me veio à
mente foi a de animais em zoológicos. Aprisionados em suas jaulas, com aqueles
olhares alienados, estariam protegidos por suas plaquinhas de “não alimente os
animais”. Ocorreu-me que a história é um habitat controlado para os passados
humanos, em que nossos piores episódios estão acomodados em jaulas para que
todos vejam. “Não alimente o ditador”, dizia o sinal e, imediatamente, o
ditador apareceu em uma pequena jaula, furioso como uma pantera, desejoso de
uma liberdade que certamente representaria a minha morte, se viesse, imediata,
com as portas escancaradas subitamente.
A essas alturas, quase esquecera o “G”. Isso me fez querer
saber por que o Google seria o novo ditador. Ingênuo, eu. Sentado em meu
quarto, não muito tempo depois, comecei a descobrir um universo de coisas
estranhas e ameaçadoras que impregnavam meu dia a dia, e que caçavam os
pequenos detalhes de mim como iguarias postas numa mesa. Senti pela primeira
vez que aquela velha pantera ditatorial, vestida em belos trajes militares,
vermelhos, verdes, brancos, havia saído e saboreava partes de mim sem que eu
reparasse. Hoje, duas empresas dominam o mercado de pesquisas de informação
online, ambas conhecidas e universalmente presentes em nossos mundos. Uma
delas, o Google, prioriza, classifica, filtra e direciona informações por meio
de uma tela que celebra a data em questão – hoje retrata o sétimo dia da copa.
A outra, o Facebook, parece mais amistosa, reunindo suas fotos, seus gostos e
suas visitas como um hotel virtual de luxo – aliás, já fez seu check-in? O
primeiro é um motor de busca que se materializa – oferece notícias de interesse
particular em “clip-ons” do Gmail, vende celulares e produz drones. O segundo é
um instrumento de ampliação de alcance – e clara redução de informações: seu
ato mais recente é a criação de um novo algoritmo de restrição de notícias
políticas, algo pesadamente criticado pelo New York Times, que declara o
Facebook inimigo jurado do bom jornalismo e incentivador de notícias de
segunda, das menos confiáveis.
Eu acreditava que o ditador era como uma pantera que, se
visse a porta da jaula aberta, saltaria sobre mim e certamente me mataria. Eu
descobri coisa pior: o ditador saiu, esteve me ameaçando e eu, crendo-me muito
esperto, enfiei-me na jaula, tranquei a porta e ri do déspota. Mal percebia eu
que o ditador estava solto para caçar quem bem entendesse, ao passo que eu, “a
salvo”, iria morrer preso e, para piorar, sem receber sequer uma migalha...
*Rafael Zanlorenzi é doutor em Direito e professor do curso de Direito da Universidade Positivo (UP).