Debates
Aborto de anencéfalo e suas consequências sociais
Da Redação | 28 de julho de 2018 - 01:42
Por Fernanda de Sá e Benevides Carneiro
Pode-se
definir o aborto como a interrupção da gravidez com a consequente morte do
óvulo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou
feto (após três meses), não sendo necessariamente a sua expulsão.
Nesse contexto o Direito Penal serve como um instrumento de
tutela da vida humana desde o momento em que o novo ser é gerado (óvulo,
embrião ou feto), e a destruição dessa vida antes do início do parto
caracteriza o aborto, que pode ou não ser criminoso.
Por ser um tema delicado o Supremo Tribunal Federal tem
decidido sobre alguns casos mais graves para tentar tornar a legislação vigente
sobre o aborto capaz de se adaptar à realidade atual, tais como no caso de
aborto em anencéfalo.
Em data de 12.04.2012, a decisão do plenário do Supremo
Tribunal Federal foi sobre o aborto de anencéfalo (também chamado de aborto
eugenésico ou eugênico), em que não pratica o crime de aborto tipificado no Código
Penal a mulher que decide pela “antecipação do parto” em caso de gravidez de
feto anencéfalo (Anencefalia é definida como a ausência dos hemisféricos
cerebrais e do crânio. Pode, ou não, ser acompanhada por espinha bífida
(fechamento incompleto do tubo neural). O prognóstico é uniformemente letal,
embora em alguns casos os pacientes possam permanecer vivos por alguns meses)
Também denominado de aborto eugenésico ou eugênico, é aquele realizado
quando os exames pré-natais comprovam que a criança nascerá com graves
anomalias físicas ou mentais, como a anencefalia (ausência dos hemisférios
cerebrais e do crânio), e a acrania (ausência do crânio e presença de cérebro
malformado).
Tem-se que o bem jurídico protegido é o produto da concepção
que, embora ainda não seja pessoa, tem vida autônoma e, conseqüentemente, recebe
tratamento jurídico especifico.
A falta de amparo jurídico para os casos de aborto
consentido nos casos de gravidez de feto anencéfalo era compreensiva por
ocasião da elaboração do Código Penal
(1940), época em que a medicina não dispunha de tal tecnologia de hoje que
pudesse assim constatar a presença de fetos com graves anomalias físicas ou mentais,
e a expectativa de vida própria dos mesmos.
Mas a evolução começou através do Conselho Federal de
Medicina, por meio da Resolução CFM 1.752, de 8 de setembro de 2004, que autorizou
o uso de órgãos e/ou tecidos de anencéfalos para transplante, mediante
autorização prévia dos pais, considerando que os anencéfalos são natimortos
cerebrais que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas
pós-parto. Na época, os magistrados passaram a permitir, por meio de alvará
judicial, a interrupção da gravidez de anencéfalo, a ser realizada
exclusivamente por médico, cuja conduta é atípica, pois o anencéfalo não possui
vida humana a ser juridicamente tutelada.
Avaliando que a morte, pelo aspecto jurídico, é a cessação
das atividades do encéfalo (Lei 9.434/97, art. 3º), tais
magistrados concluíram que, se o ser humano morre quando cessam suas atividades
cerebrais e se o anencéfalo nunca teve atividade cerebral, nunca viveu. Desta
forma, não se trata de aborto, mas, sim, de antecipação de parto de feto
inviável em razão da anencefalia.
Já em data de 17.06.2004, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS), ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal uma
argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF/54 – DF), alegando que
a antecipação desses partos não caracteriza o crime de aborto tipificado no Código Penal.
Neste caso, o relator Ministro Marco Aurélio autorizou em
sede de liminar o aborto de feto anencéfalo: “Como registrado na inicial, a
gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança
ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se
assim é – ninguém ousa contestar –, trata-se de uma situação concreta que foge
à glosa própria ao aborto – que conflita com a dignidade humana, a legalidade,
a liberdade e a autonomia de vontade”.
Posteriormente, acolhendo decisão de uma maioria, o Supremo
Tribunal Federal cassou parcialmente a liminar concedida, voltando a proibir a
interrupção da gravidez nos casos de feto com anencefalia, ficando, porém,
mantida a suspensão dos litígios.
Por fim, em data de 12.04.2012, o plenário do Supremo
Tribunal Federal decidiu, por 8 votos a 2, que não pratica o crime de aborto
tipificado no
Através dessa análise do tempo acerca da prática do aborto conclui-se que o ordenamento jurídico contempla mais uma espécie de aborto legal, excluindo a tipicidade da conduta do médico que realiza o aborto de anencéfalo, após o devido consentimento válido da gestante ou de seu representante legal.
Fernanda de Sá e Benevides Carneiro é Advogada com pós
graduação em Direito do Trabalho e Direito Processual do trabalho; pós graduada
lato sensu pela Escola da Magistratura do Paraná e proprietária do escritório
Fernanda de Sá Carneiro Advocacia.