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Feminicídio: o crime do ódio contra a mulher
Da Redação | 14 de julho de 2018 - 00:26
Por Fernanda de Sá e Benevides Carneiro
O feminicídio é a expressão brutal das inúmeras violências
que podem atingir as mulheres em sociedades em razão da desigualdade de poder
entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais,
econômicas, políticas e sociais discriminatórias, bem como menosprezo pela
figura feminina.
Ressalta-se que é um crime de ódio, cuja denominação surgiu
na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação,
opressão, desigualdade e violência doméstica e familiar contra as mulheres,
que, em sua forma mais grave, resulta na morte. Essa forma de assassinato não
constitui um evento isolado e imprevisível; ao contrário, faz parte de um
processo contínuo de violências, tanto psíquicas como físicas, cujas raízes
caracterizam o uso de violência do mais alto nível sendo a morte o resultado.
Tais práticas criminosas resultam de uma série de abusos verbais, físicos e
sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.
Tal conceito vinha sendo mencionado em diversos países, mas
somente veio a ser conhecido no Brasil através da Lei 13.104/2015 na
perspectiva de tirar essas raízes discriminatórias da invisibilidade e diminuir
a impunidade deste crime considerado como hediondo pelo grau de agressão mais
severa dirigida a figura feminina, assim sendo um crime de gênero.
No Código Penal brasileiro, o feminicídio é definido como um
crime hediondo, que resulta com o assassinato de uma mulher cometido por razões
da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e
familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Isto posto, com o advento da
Lei nº 13.104 em 2015, alterou-se o art. 121 do Código Penal
(Decreto-Lei nº 2.848/1940), para incluir o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio. A pena prevista para o homicídio
qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.
Neste cenário, a tipificação penal do feminicídio foi
declarada por especialistas como a principal ferramenta para denunciar a
violência sistêmica contra mulheres em relações conjugais, que resulta em
homicídios encarados como ‘crimes passionais’ pela sociedade, pela mídia e até
pelo sistema de justiça. Mas nesse contexto, vae dizer que não se trata de um
crime passional, pois que a morte não resulta de uma paixão ou conflito entre
parceiros, e sim a desigualdade de gênero.
Encontra-se a definição de violência doméstica e familiar
contra a mulher na Lei Maria da Penha (Lei 11340/206) como sendo qualquer ação
ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade
doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente
de orientação sexual.
A violência doméstica e familiar pode ocorrer também entre
indivíduos com ou sem vínculo de parentesco, mas que mantém relações de
convivência e a culpa pelo crime nunca será da vítima, sendo que a Lei Maria da
Penha apenas evita que se consuma o feminicídio, com medidas protetivas, e de
afastamento, enquanto este culmina com a morte da mulher.
Também é necessário perceber que nem todos os homicídios
cujas vítimas são mulheres podem ter sido motivados por questões de gênero – ou
seja, nem todo homicídio de uma mulher é um feminicídio. Por tal motivo, é um
dever do Estado, através dos sistemas de segurança e justiça, adotar ações para
avaliar se as motivações de gênero concorreram para o feminicídio sempre que
uma mulher é assassinada.
As razões desses crimes são diversas, são razões que não se
repetem em outros casos. Então, é necessário que a investigação e o devido
julgamento acompanhem esse olhar clínico que motivou o crime, descobrindo a
questão de gênero, ou seja, permitindo desvendar se de fato por detrás daquele
crime há um sexismo ou alguma perspectiva de discriminação das mulheres.
Quanto a vigência e irretroatividade da lei, tem-se que a
Lei n.º13.104/2015 entrou em vigor
na data de 10/03/2015, de forma que se a pessoa, a partir desta data, praticou
o crime de homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino
responderá por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do art. 121,§
2º,VI,
doCP.
Destaca-se que além de oferecer pena mais de duas vezes
superior em relação a pena de um homicídio comum, tal lei do feminicídio
combate diretamente a violência doméstica, ao determinar legalmente uma
gravidade muito maior do crime contra a mulher pelo fato de ela ser mulher.
Conclui-se assim que antes de 2015 os crimes bárbaros
envolvendo a figura da mulher sequer tinham uma punição diferenciada quando os
mesmos eram cometidos pela razão de gênero, e depois de diversos estudos feitos
nos anos de 2012 e 2013, em que se verificou o aumento avassalador de tais
crimes, foi elaborada uma Lei específica para tutelar a vida de uma mulher e
sua devida penalização quando ocorresse morte pela sua condição de “ser uma
mulher”, o que não evita em tese os crimes, mas pune mais gravemente o agressor
e busca uma proteção maior do Estado sobre a figura feminina.
Fernanda de Sá e Benevides Carneiro é advogada com pós
graduação em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, pós graduada
latu sensu pela Escola da Magistratura do Paraná e proprietária do escritório
de advocacia Fernanda de Sá Carneiro