Debates
Um país em crise existencial
Da Redação | 10 de julho de 2018 - 02:46
Por José Pio Martins
A ideia de que tudo se resolve no Estado teve sua expressão
máxima na Constituição brasileira de 1967, no artigo 158, inciso XIX,
que assegurava aos brasileiros “colônia de férias e clínicas de repouso”. A
partir de Karl Marx, cresceu a legião de intelectuais, pensadores e políticos,
na direita e na esquerda, dedicados a convencer a sociedade de que para cada
problema individual há sempre uma solução estatal.
A social-democracia, que se propunha ser uma terceira via
entre socialismo e capitalismo, foi responsável pelo crescimento do setor
público e pelo aumento da tributação. A essência dessa ideia é que o sistema
produtivo deve ser capitalista, com base na propriedade privada, na organização
empresarial da produção e no trabalho assalariado, mas com governo grande, tributação
pesada e programas de transferência de renda via serviços públicos. Os
social-democratas se inspiraram em Marx para dizer que o problema da produção
já estava resolvido e tudo se resumia a ter um bom sistema de distribuição.
Os defensores desse modelo não entenderam duas coisas. A
primeira, que Marx não estava pensando na pobre Rússia czarista quando propôs o
socialismo, mas na Inglaterra, um país com desenvolvido capitalismo industrial
sob um regime liberal. Marx disse, em A Ideologia Alemã, que enquanto
não houver aumento da produtividade capaz de gerar abundância, a briga pela
redistribuição será apenas uma briga pela “die alte Scheisse” (a velha merda).
Ajudados pela grande depressão econômica dos anos 1930, que
reduziu o produto mundial e lançou milhões no desemprego, os adeptos do
crescimento do Estado tiveram a oportunidade de promover a expansão desmedida
da máquina pública. Porém, cinco décadas depois, o gigantismo estatal gerou
subprodutos perversos: carga tributária pesada, ineficiência governamental,
inibição do investimento privado, casta de funcionários públicos de altos
salários, privilégios para os tripulantes da máquina oficial, déficits fiscais,
elevadas dívidas públicas e muita corrupção.
Conquanto o governo seja necessário e tenha suas funções, o
gigantismo estatal e o excesso de intervenção na vida das pessoas passaram a
produzir a doença que vieram para curar, além de disseminarem uma danosa
consequência de natureza cultural: a crença de que a solução de todos os males
sociais e individuais está no Estado. Na América Latina, os políticos
populistas e demagogos cresceram na esteira da cultura da dependência, que se
tornou a marca de grande parte da população.
O alemão desempregado de Ansbach, afora o aspecto hilário e
jocoso de sua ação, apenas expôs o reflexo da crença de que o bem-estar é
direito de todos e dever do Estado. Não se trata de ser contra redes de
proteção social, mas é justamente para bem cumprir esse papel que o Estado não
pode ser inchado, perdulário, endividado e excessivamente tributador. O caso do
Brasil hoje é notório: o maior obstáculo ao crescimento econômico é o setor
público, inchado, ineficiente, endividado e corrupto.
A redução da pobreza depende da criação de riqueza, tarefa
da sociedade e do sistema produtivo privado.
José Pio Martins é economista e reitor da Universidade Positivo (UP)