Debates
Impactos da Operação Lava Jato nas operações de fusões e aquisições
Da Redação | 14 de abril de 2018 - 02:49
Desde que foi deflagrada a primeira fase da denominada
Operação Lava Jato, em março de 2014, temos presenciado relevantes mudanças no
cenário empresarial nacional, sobretudo envolvendo os conglomerados econômicos
que foram objeto de investigação por parte da Polícia Federal e do Ministério
Público e que sofreram punições das autoridades competentes.
Tais empresas, muitas delas no âmbito de acordos de
leniência, sofreram punições bilionárias e até o momento estão impedidas de ou
sofrendo severas restrições para participar de certames licitatórios e/ou ter
acesso ao financiamento de suas atividades por parte de agentes privados e
públicos, sendo o principal deles o BNDES. A situação é agravada em diversos
casos de empresas que operavam alavancadas e agora tiveram a sua capacidade de
geração de caixa seriamente prejudicada, e consequentemente, a capacidade de
honrarem os seus compromissos.
Este cenário causa importantes impactos nas operações de
fusões e aquisições no país. O primeiro e mais óbvio deles é a necessidade de
parte dos citados conglomerados se desfazer de determinados ativos, tanto para
levantar recursos que lhes possibilitem arcar com as pesadas multas pecuniárias
que lhes foram impostas, como para reorganizar suas atividades considerando que
não serão mais captados os benefícios decorrentes de práticas ilícitas que eram
adotadas com frequência nas relações com os agentes públicos ou usando recursos
oriundos destes.
As operações de venda de ativos realizadas recentemente por
empresas de variados setores, tais como Petrobrás, Banco BTG Pactual, Grupo JBS
e Camargo Corrêa, dentre outras, ilustram bem essa situação e demonstram que a
venda forçada de empresas em razão dos motivos acima citados pode causar
depreciação no valor desses ativos, o que eventualmente pode ser uma
oportunidade atraente para potenciais compradores, desde que vislumbre-se com
clareza a possibilidade continuidade das atividades das empresas em venda sem a
adoção das práticas ilícitas que foram objeto de punição. Desde 2015 até o final
de 2017 já haviam sido concretizadas cerca de 50 transações de venda de
empresas envolvendo ativos dos grupos investigados na Operação Lava Jato, que
somaram mais de R$ 103 bilhões, com base em dados da Associação Brasileira das
Entidades do Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), e estima-se que tais
empresas buscam levantar outros R$ 75 bilhões.
Porém, temos outros impactos decorrentes da Operação Lava
Jato que não se restringem às empresas que foram ou ainda são objeto de
investigação, mas que atingem as operações de fusões e aquisições de modo
geral. Um deles é a necessidade de atenção redobrada na auditoria legal
ou due diligence na aquisição de empresas, em especial aquelas que
costumam contratar com o setor público ou se utilizam de financiamento de
agentes públicos. A investigação criteriosa da conduta dos sócios e
representantes legais das empresas é tão importante quanto a análise das
condições de contratação com agentes públicos e/ou de obtenção de benefícios
fiscais ou regulatórios. Em determinados casos, a prática de ilicitudes
restringe-se a determinadas pessoas e não condiz com a política da empresa
representada, o que exige cautela e reforça a necessidade de se investigar de
forma individual a conduta de sócios e administradores.
Outro ponto relevante é a instituição de programas de compliance.
Seria exagero concluir que a Operação Lava Jato é o marco do fim da era da
impunidade no Brasil, mas não resta dúvida de que ela tem estimulado, assim
como a Lei Anticorrupção, a adoção de medidas que inibam condutas ilícitas por
parte dos sócios, administradores e demais colaboradores das empresas. Segundo
levantamento realizado pela KPMG em 2016, 64% dos executivos seniores das
empresas entrevistadas apontou que a cultura de compliance e governança
eram essenciais para o sucesso das estratégias das empresas, contra 58% em
2015.
No mesmo levantamento, 74% dos entrevistados apontou que a
eficácia do programa de compliance é o indicador mais relevante
quando se trata do monitoramento de cumprimento das regras de governança,
reforçando a tendência de que cada vez mais as empresas que possuem programas
de compliance efetivos, que possibilitam a denúncia e punição de
condutas irregulares, sejam melhor avaliadas do que aquelas desprovidas do
mesmo nível de governança, o que resultará na valorização de seus ativos
perante potenciais investidores ou compradores.
Ao analisarmos como os desdobramentos da Operação Lava Jato
têm impactado as operações de fusões de aquisições, concluímos, portanto, que o
desenvolvimento da atividade empresarial em conformidade com as boas práticas
de governança e as exigências da lei, amparado e estimulado por um programa
de compliance efetivo, é medida essencial para mitigar o risco de
punições por parte das autoridades competentes, que podem resultar até mesmo na
venda indesejada de ativos, assim como importante critério a ser minuciosamente
analisado na avaliação de uma empresa durante a auditoria legal.
Autor: Gustavo Pires Ribeiro é advogado e coordenador da
Área Societária do Marins Bertoldi Advogados.