Debates
A igualdade de Babeuf
Da Redação | 13 de janeiro de 2018 - 01:38
Por José Pio Martins
Para os liberais, o primeiro patrimônio do ser humano é seu
corpo. O segundo é o direito de apropriar-se livremente dos frutos de seu
trabalho, que é produzido por seu corpo e mente. O instrumento de que dispõe a
humanidade para garantir a materialização desses dois patrimônios individuais é
o direito de propriedade. Se os frutos do trabalho forem maiores que o
necessário para a manutenção da vida do corpo, o excedente pertence a quem o
produziu, que pode acumulá-lo em forma de propriedade de ativos tangíveis e
intangíveis.
Tomemos o exemplo de um compositor e cantor. Por seus dons
ele escreve letras, compõe a melodia e interpreta cantando. Se legiões de
pessoas apreciam as canções, enchem seus corações de alegria e se dispõem a
pagar por isso, o artista é beneficiado com renda acima de suas necessidades
para viver. Com o excedente, ele adquire ativos em forma de bens e direitos e
deles toma posse, detém a propriedade e o domínio, podendo assim usufruir da
forma que lhe aprouver.
Gracchus Babeuf foi militante político na França do século
18 e tornou-se um dos expoentes da “revolução dos iguais”, movimento cujo
objetivo era empobrecer a burguesia em nome da ascensão social dos pobres.
Seria uma espécie de movimento socialista. O destino de Babeuf foi a guilhotina
em 1797. Para começar, o problema é que Deus não é socialista e não fez os
homens iguais. Uns são geniais, outros são medíocres. Uns se esmeram em
cultivar virtudes, outros chafurdam nos vícios. Uns se dedicam ao trabalho
duro, outros são preguiçosos. Uns são éticos, outros são bandidos.
Consideradas tantas diferenças – sem entrar no mérito das
razões por que os seres humanos são diferentes –, atribuir rendas e recompensas
iguais a talentos, habilidades e esforço diferentes é impraticável, além de ir
contra o interesse de todos. Aquele artista genial, que ganha muito porque
agrada milhões de pessoas, não teria o mesmo empenho se lhe fosse negado o
direito de se apropriar dos frutos de seu trabalho. Para que trabalhar, se um
medíocre preguiçoso tivesse a mesma recompensa? Na prática, o igualitarismo,
antes que uma dádiva, é uma punição.
Outro aspecto interessante é que as pessoas não desejam
comportamento padronizado. A diferença é a essência, e desejos diferentes são a
essência de nós, humanos. Se me perguntam por que não sou um rico empresário,
posso simplesmente responder: quem disse que eu desejo isso? Posso pensar que o
megaempresário é um escravo de tantas posses, não é dono de seu tempo e que sou
mais feliz que ele, pois, não possuindo tanto, sinto-me mais livre e menos
perturbado pelos problemas.
O objetivo, portanto, não deve ser a igualdade de posses
para todos os seres humanos. O objetivo deve ser outro; deve ser uma situação
social em que aqueles que têm menos consigam viver dignamente, alimentados e
abrigados, com saúde e educação. Babeuf comentou um equívoco. O que ele
desejava era minimizar o sofrimento humano naqueles anos tumultuados da
Revolução Industrial, quando todas as nações eram pobres. Era uma boa causa.
Mas ele lutou mais contra a burguesia que a favor dos pobres.
Para retirar uma parte de quem tem e distribuir a quem não
tem, a humanidade inventou o Estado e seu braço executivo, o governo. Só que o
Estado, com o tempo, tornou-se ele próprio um problema, pois, com suas
estruturas inchadas, burocracias caras, corrupção elevada e ineficiência
gerencial, passou a prejudicar a produção e ser pouco eficiente na
distribuição. O setor público tornou-se concentrador de renda. Portanto, antes
de aumentar impostos, cumpre consertar, ou ao menos reduzir, os defeitos do
Estado. Se isso não for feito, os contribuintes ficarão mais pobres, e os
pobres não ficarão mais ricos.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.