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Um homem deitado no chão

Um homem deitado no chão

Imagem ilustrativa da imagem Um homem deitado no chão
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Havia um homem de aproximadamente cinquenta anos, deitado no calçadão de Copacabana. Eu passei por ele, lancei um rápido olhar, e continuei meu caminho em direção a uma barraca onde sempre costumo beber água de coco.

 Como carioca já cruzei, centenas (milhares?) de vezes por homens, mulheres ou crianças deitadas no chão. Como alguém que costuma viajar, já vi a mesma cena em praticamente todos os países onde estive – da rica Suécia à miserável Romênia. Vi pessoas deitadas no chão em todas as estações do ano: no inverno cortante de Madrid, Nova York ou Paris, onde ficam perto do ar quente que sai das estações de metrô. No sol escaldante do Líbano, entre os edifícios destruídos por anos de guerra. Pessoas deitadas no chão – bêbadas, desabrigadas, cansadas – não constituem novidade na vida de ninguém.

Tomei minha água de coco. Precisava voltar rápido, pois tinha uma entrevista com Juan Arias, do jornal espanhol El País. No meu caminho de volta, vi que o homem continuava ali, debaixo do sol – e todos que passavam agiam exatamente como eu: olhavam, e seguiam adiante.

Acontece que - embora eu não soubesse disso - minha alma já estava cansada de ver esta mesma cena, tantas vezes. Quando tornei a passar por aquele homem, algo mais forte do que eu me fez ajoelhar e tentar levantá-lo.

Ele não reagia. Eu virei sua cabeça, e havia sangue perto de sua têmpora. E agora? Era um ferimento sério? Limpei sua pele com a minha camiseta: não parecia nada grave.

Neste momento, o homem começou a murmurar qualquer coisa como “pede para eles não me baterem”. Bem, ele estava vivo; agora eu precisava tirá-lo do sol e chamar a polícia.

Eu parei o primeiro homem que passou e pedi que me ajudasse a arrastá-lo até a sombra entre o calçadão e a areia. Ele estava de terno, pasta, embrulhos, mas deixou tudo de lado e veio me ajudar – sua alma também já devia estar cansada de ver aquela cena.

Uma vez colocado o homem na sombra, fui andando em direção à minha casa – sabia que havia uma cabine de PM e poderia pedir ajuda ali. Mas antes de chegar até lá, cruzei com dois soldados.

- Tem um homem machucado, diante do número tal – disse. – Coloquei-o na areia. Seria bom mandar uma ambulância.

Os policiais disseram que iam tomar providências. Pronto, eu havia cumprido meu dever. Escoteiro, sempre alerta. A boa ação do dia! O problema agora estava em outras mãos, elas que se responsabilizassem. E o jornalista espanhol estaria chegando em minha casa em alguns minutos.

Não tinha dado dez passos e um estrangeiro me interrompeu. Falou em português confuso:

- Eu já tinha avisado a polícia sobre o homem na calçada. Eles disseram que, desde que não seja um ladrão, não é problema deles.

Eu não deixei que o homem terminasse de falar. Voltei até os guardas, convencido de que sabiam quem eu era, que escrevia em jornais, aparecia em televisão. Voltei com a falsa impressão de que o sucesso, em alguns momentos, ajuda a resolver muitas coisas.  

- O senhor é alguma autoridade? – perguntou um deles, notando que eu pedia ajuda de maneira mais incisiva.

Não tinham ideia de quem eu fosse.

- Não. Mas nós vamos resolver este problema agora.

Eu estava mal vestido, camiseta manchada com o sangue do homem, bermudas cortadas de uma antiga calça jeans, suado. Eu era um homem comum, anônimo, sem qualquer autoridade além do meu cansaço de ver gente deitada no chão, durante dezenas de anos de minha vida, sem jamais ter feito absolutamente nada. 

E isso mudou tudo. Tem um momento, que você está além de qualquer bloqueio ou medo. Tem um momento em que seus olhos ficam diferentes, e as pessoas entendem que você está falando sério. Os guardas foram comigo e chamaram a ambulância.

Na volta para casa, recordei as três lições daquela caminhada. a) todo mundo pode parar uma ação quando ela ainda é puro romantismo. b) sempre há alguém para dizer: “agora que começaste, vá até o final”. E finalmente: c) todo mundo é autoridade, quando está absolutamente convencido do que faz.

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