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O Aquífero Furnas e a obstinação do lucro
Da Redação | 09 de março de 2019 - 01:38
Por Mário Sérgio de Melo
O Aquífero Furnas é uma unidade rochosa situada debaixo de
Ponta Grossa que atualmente já supre perto de 20% da água potável consumida na
cidade, o que vem crescendo anualmente. É água de muito boa qualidade, um poço
artesiano no Bairro San Martin produz água mineral natural que é envasada e
comercializada em toda a região.
Na rocha a água encontra-se em fraturas e cavidades
resultantes de erosão subterrânea, tal como se vê no Buraco do Padre. São as
chuvas que recarregam as águas do aquífero: elas penetram no subsolo na parte
leste da cidade, na área do Capão da Onça, Cachoeira do Rio São Jorge e da
Mariquinha, do Buraco do Padre, onde os arenitos da Formação Furnas afloram na
superfície do terreno. É a chamada área de recarga do aquífero. De lá a água
caminha subterraneamente até o subsolo da cidade, onde é extraída pelos poços
ditos artesianos.
Hoje essa água já tem importância decisiva no abastecimento
da cidade, mas a previsão é que no futuro próximo tenha muito mais. A água
subterrânea é abundante e de muito boa qualidade, dispensa tratamento, não
depende de redes de distribuição nem das condições climáticas. E é bom lembrar
que mesmo Ponta Grossa, situada em região com chuvas generosas, já tem tido
complicações hídricas em consequência de problemas de tratamento e/ou
distribuição e de estiagens prolongadas combinadas com verões tórridos.
Globalmente a água tem sido anunciada como o recurso natural
mais escasso do Século XXI. Por isso os aquíferos têm um valor estratégico
enorme. Mas correm o risco de serem poluídos, o que significaria perda
irreversível, pois eles não são recuperáveis. Essa é a razão da legislação
recente empenhar-se em proteger os aquíferos, alertando para a importância das
águas subterrâneas no mesmo nível das superficiais.
Por esses motivos a legislação, mas sobretudo a ética e a
responsabilidade, preconizam que, em existindo outras alternativas, as áreas de
recarga dos aquíferos não devem ser locais de instalação de potenciais
poluidores, tais como indústrias com efluentes, reservatórios de combustíveis,
aterros sanitários e outros.
Por isso a PGA – Ponta Grossa Ambiental – e todos os
cidadãos ponta-grossenses sensatos e responsáveis deveriam estar procurando
resolver o urgente problema de disposição de resíduos sólidos na cidade noutro
local que não justamente a área de recarga do Aquífero Furnas a leste da
cidade, como é o caso do pretendido aterro sanitário privado da PGA junto ao
Rio Verde. As obras do aterro estão embargadas por sucessivos processos desde
2009, com denúncias, entre outras, de risco ao Aquífero Furnas, impacto em
áreas de proteção permanente (nascentes e veredas) e em unidades de conservação
(Parque Nacional dos Campos Gerais, Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana,
Parque Municipal do Capão da Onça). Os processos em que a PGA é ré estão em
trâmite na Justiça Federal, mas os empreendedores negam-se obstinadamente a
reconhecer que o local é o menos indicado do município para um aterro sanitário.
O que estaria movendo tal obstinação? O desejo de resolver o
crônico problema do lixo em Ponta Grossa? Ou a desmesurada ambição de lucro de
um megaempreendimento destinado a receber não somente o lixo da cidade, mas
também todo o lixo da Região Metropolitana de Curitiba, como chegou a ser
anunciado em 2009?
Naquele ano os jornais estamparam que Ponta Grossa seria a capital do lixo do Paraná. Há quem ainda sonhe com isso.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, Professor do Departamento de Geociências da UEPG