Debates
Novos tempos sugerem grande teste para empresas
Da Redação | 04 de dezembro de 2018 - 01:04
Por Fábio Medina Osório
Sabe-se que o conceito de "compliance" remete a categorias amplas e a
uma transversalidade disciplinar. Pode-se falar em "compliance
multissetorial", na medida em que essa expressão traduz, em essência, a
necessidade de um ajuste do setor, seja público ou privado, ao ambiente
normativo complexo, a partir de uma autorregulação organizacional.
Os universos normativos estão cada vez mais sofisticados, pois sugerem
integrações nacionais, subnacionais, regionais e internacionais, um autêntico
emaranhado normativo a exigir tecnologia para acompanhamento e atualização. Há
que se combinar o detalhe e o principialismo, a simplicidade e a sofisticação.
A finalidade última de um "compliance" é o ajuste dos comportamentos
às regras essenciais a determinadas áreas da organização.
Um "compliance" notadamente transdisciplinar é o dirigido
anticorrupção, que afeta muitas áreas de qualquer empresa ou entidade. Curioso
constatar que a maioria --senão a totalidade-- das grandes empresas flagradas
na Operação Lava Jato (tida como a maior operação anticorrupção do mundo) possuía
programas de "compliance" em andamento, alguns com forte aparência de
robustez.
Muitas delas financiavam eventos e seminários com agentes públicos no Brasil e
no exterior, enquanto entabulavam contatos espúrios para confecção de
normativas em seu benefício junto aos Poderes constituídos. O
"compliance" que possuíam era de "fachada", tal como
definido pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) --ou seja,
aquela espécie de programa superficial, mascarado, que não é aplicado na
cultura corporativa da empresa.
Será que esse ambiente mudou ou ainda vivemos um espaço de
"compliance" de fachada em inúmeras empresas? Penso que o grande
teste ocorrerá nesses novos tempos de alta fiscalização e combate à corrupção
pública e empresarial que passaremos a vivenciar, a partir do momento em que
esta agenda não é apenas do Ministério Público ou das autoridades
administrativas independentes, mas também do próprio Poder Executivo, na versão
do futuro ministro Sergio Moro.
A responsabilidade das empresas por organização defeituosa de suas estruturas
pode ser aferida em razão da impunidade de quem pratica ilícitos em suas
organizações, e isso se torna possível numa perspectiva de múltiplos fatores.
Para que as empresas possam ter imunidade frente à responsabilidade objetiva
por atos de terceiros, é necessário contar com uma estrutura de
"compliance" dotada de independência, autonomia contratual,
capacidade operacional e autoridade para imposição de um programa efetivo de
integridade.
É imperioso que a empresa esteja apta a fiscalizar o cumprimento permanente das
normativas adequadas, com canais de denúncias ajustados, notadamente voltados à
proteção dos denunciantes de boa-fé. Nenhuma organização está imune a ato de
corrupção praticado por algum funcionário ou fornecedor. O problema é a lacuna
da reação ou dos mecanismos de coerção e fiscalização.
O avanço maior da cultura do "compliance" será na fiscalização dos
concorrentes e do aperfeiçoamento do mercado. Esse será um passo decisivo das
empresas. O verdadeiro "compliance" pressupõe não apenas a checagem
interna, mas do próprio mercado, dos ambientes organizacionais como um todo,
eliminando-se cartéis e práticas espúrias.
Se uma empresa investe pesado em seu "compliance" interno, é
decorrência lógica que fiscalizará seus concorrentes, ou apostará em entidades
associativas que façam esse trabalho, pois todo um setor pressupõe ligações
recíprocas.
Nenhuma empresa suportará a concorrência desleal, muito menos práticas espúrias
de seus pares, na medida em que o contágio de um ato ilícito se espalha como um
vírus por todo um segmento, podendo manchá-lo perante a comunidade
internacional.
Fábio Medina Osório é Advogado e ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (mai/set. 2016,
governo Temer)