Debates
Militares de volta à cena política
Da Redação | 13 de novembro de 2018 - 02:53
Por Gaudêncio Torquato
A acomodação
das placas tectônicas após o terremoto eleitoral permite distinguir traços
fortes na paisagem institucional. Um dos
mais visíveis é o fechamento do ciclo da redemocratização que teve início em
meados dos anos 80. A era Sarney, aberta com a morte de Tancredo Neves,
escancarou a locução política, destravando os nós apertados na garganta
nacional. O ancoradouro das demandas reprimidas nos tempos de chumbo foi a
Constituição de 88, que completou 30 anos em 5 de outubro passado. Que sinais
mostram o fim de um ciclo?
A eleição de
um militar reformado é o sinal dos novos ventos que soprarão na paisagem. Ela
puxa para o cotidiano da política o maior grupo de militares que já participou
de pleitos democráticos, a par da convocação inusitada de generais da reserva
para formar o núcleo governamental. Um feito e tanto, quando se leva em
consideração a índole militar: agir com discrição, cumprir o rito hierárquico,
colaborar com governos em postos-chave de comando das Forças Armadas, enfim,
evitar a intromissão exacerbada no dia a dia da política. Assim é a cultura
militar.
As curvas a
que o país foi levado a fazer, que ensejaram o conjunto de crises ainda em
curso – econômica, política, ética -, acabaram despertando o animus animandi da
caserna, inserindo a expressão militar na enciclopédia do discurso político. E
mais: motivando quadros de respeito nas Forças a adentrar as portas do
Executivo, como é o caso dos generais Mourão (o vice eleito) e Heleno, ambos
com histórico de comandos importantes.
Portanto, os militares ascendem na política cotidiana não por
intromissão indevida, mas em função do redesenho institucional, onde se
contabilizam o desprestígio da classe política, a indignação social contra o
modus operandi dos nossos representantes, a intensa vontade popular de dar um
passo adiante.
Sob essa
moldura, o capitão Bolsonaro representa esse passo. Parcela ponderável do
eleitorado, a partir de segmentos da intelectualidade e contingentes de
esquerda, o consideram um passo para trás. Ocorre que seus quase 58 milhões de
eleitores o credenciam como a expressão da vontade da maioria. O discurso do
presidente eleito, incluindo tiradas de mau gosto, feitas ao correr da
trajetória parlamentar, se não recebe endosso popular, pelo menos não constitui
motivo para sua rejeição.
Outros sinais
de fim de ciclo aparecem na própria engenharia da campanha, em que paradigmas
do chamado marketing político foram derrubados, como tempo de rádio e
TV(duração maior não ajudando candidatos), dinheiro (não elegendo aqueles com
maiores recursos), escolha de representantes na cola do candidato presidencial
(PSL fazendo uma bancada de 56 nomes), entre outros aspectos. O fato é que o
pleito exibiu um parâmetro novo: a autogestão eleitoral. O eleitor votou como
quis, sem influência de amigos, familiares ou partidos, e até realizou
operações transversais, marcando no mesmo voto quadros de esquerda e da
direita.
Essa nova
disposição do eleitor, caso mostre desejo de direcionar o país para uma curva à
direita, significa ainda desaprovação aos governos do PT, ou seja, um veto à
vereda de esquerda que o lulopetismo abriu.
Nesse sentido, pode-se dizer que o jogo entre os espaços ideológicos
está empatado, eis que o período da redemocratização abriga uma vitória de
Collor e duas de FHC e, agora, a de Bolsonaro; e quatro vitórias, com duas de
Lula e duas de Dilma.
Parcela ponderável dos eleitores de Bolsonaro, convém
lembrar, freqüenta espaços do meio, principalmente contingentes de classes
médias, profissionais liberais, setores da produção etc. Se o capitão exprime
posicionamentos de extrema direita, como é o caso, não significa que tem apoio
de parcela de quem nele votou. Jogar todos na extremidade do arco ideológico é
um erro. O mesmo se pode dizer de parcelas do eleitorado de FHC e mesmo de Lula
e Dilma.
Por fim,
vale ressaltar que a democracia brasileira passou em mais um teste. Se a opção
de 2018 se mostrar errada, o eleitor, autônomo, independente, poderá consertá-la
em 2022. Urge não adiantar previsões.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP,
consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato