Debates
A vida e as armas
Da Redação | 09 de novembro de 2018 - 01:01
Por Mário Sérgio de Melo
Assustei-me de perceber uma possível conexão entre temas que
podem parecer tão desconexos: o livro/filme “Contato”, de Carl Sagan, a série “Cosmos”
do mesmo astrofísico, o documentário “Vida Extraterrestre” da série
“Explicando” da Netflix, o filme “Vida” de Daniel Espinosa (2017) e o fenômeno de
ascensão da direita conservadora no mundo, incluindo Bolsonaro no Brasil.
Em Contato, Cosmos e Vida Extraterrestre aparecem questões
cruciais: por que não temos notícias de outras civilizações, visto que, dada a
vastidão e idade do universo conhecido, é de se supor que não tenhamos sido a
única espécie inteligente no mundo? Se existem outras civilizações, como elas
teriam ultrapassado sua adolescência tecnológica? Se não existem, teriam elas
todas se extinguido durante essa tal adolescência tecnológica?
Em Vida, uma ficção científica quase terror, os humanos,
supostamente seguros na estação orbital internacional, cultivam um organismo
unicelular dormente, encontrado a baixíssimas temperaturas no solo de Marte. Para
deslumbre dos pesquisadores, o organismo desperta e desenvolve-se. Mas o que no
início parecia um ser gracioso e amistoso, ao desenvolver-se foge do controle,
passa a ser uma ameaça, os cientistas tentam exterminá-lo. Então o organismo alienígena
revela uma qualidade implacável: a luta pela sobrevivência. Surpreende a todos,
quebra todos os protocolos de isolamento e segurança vigentes na estação
orbital laboratório.
Se pensarmos um pouco, o mesmo instinto implacável pela
sobrevivência é o que tem guiado a evolução das espécies no planeta Terra. O
nosso desígnio primordial é sobreviver, nossos instintos básicos são de
competição para superação dos competidores, reais ou imaginários. No passado do
planeta, fenômenos naturais tais como mudanças na composição da atmosfera,
congelamentos planetários, queda de meteoritos, promoveram extinções em massa
que propiciaram o desenvolvimento de novas espécies melhor adaptadas. Foi assim
que os mamíferos prosperaram após o declínio dos répteis decretado pela queda
do grande meteorito há sessenta e cinco milhões de anos.
Agora talvez estejamos vivendo a adolescência tecnológica da
humanidade. Nossa engenhosidade já nos permite construir artefatos para
destruir o planeta, já somos capazes de desencadear o aquecimento global ou de
degradar a atmosfera a ponto dela não mais nos proteger da radiação solar, somos
capazes de poluir os mares, as águas doces, os solos, o ar, somos capazes de
ameaçar a biodiversidade e o equilíbrio ecológico, somos capazes de manipular a
informação divulgada globalmente e induzir populações inteiras ao consumo, ao
desentendimento, à intolerância, à guerra...
Tal engenhosidade desenvolveu-se aparentemente sem que tenha
sido acompanhada pela evolução ética e espiritual. Somos capazes de comprometer
todos os sistemas naturais que são os responsáveis pela manutenção da vida na
Terra, inclusive a nossa vida. Passamos a ser a espécie dominante no planeta,
superpovoando-o, mas não logramos aprender regras básicas de convivência de
modo a preservar direitos equitativos e garantir a paz e o respeito à
diversidade.
A ascensão da direita conservadora no mundo, marcada pela
intolerância e violência, parece ser resultado destes dois princípios básicos:
primeiro, nossos implacáveis instintos de sobrevivência, que nos fazem
competitivos e agressivos; segundo, a nossa adolescência tecnológica, já somos
capazes de destruir o planeta e a humanidade, mas ainda não somos capazes de controlar
nossos atos e avaliar suas consequências.
Será a humanidade capaz de guiar-se não só pelos instintos
básicos de sobrevivência? Será capaz de ultrapassar o crítico momento da
adolescência tecnológica para alcançar um estágio de temperança, tolerância e
paz?
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, Professor do Departamento de Geociências da UEPG