Debates
A cultura do tiro faz mais uma vítima
Da Redação | 30 de outubro de 2018 - 01:28
Por Esméria Saveli
A noite de domingo, que era festiva para muitos, foi trágica
para Ponta Grossa. O menino Marcos Adryan Silva, de 08 anos, aluno do terceiro
ano da nossa Escola Municipal Professora Adelaide Thomé Chamma, foi morto
quando seu padrinho manuseava uma arma. Um tiro no inocente peito infantil
tirou a vida que começava. Sem saber detalhes do fato, conclusões automáticas
foram alcançadas. Uma fatalidade, disseram. Porém, a realidade é apenas uma: a
criança sempre será a principal vítima de uma sociedade armada.
É inegável o risco de manter armas de fogo dentro de
residências familiares, especialmente quando há presença de crianças. A cultura
da arma de fogo dentro de casa, que sempre terá o álibi da “autoproteção”, precisa
ser combatida pela sociedade, e não estimulada. Não existe nenhuma dúvida em
relação a quem são as vítimas dessa cultura típica do empoderamento masculino:
são as mulheres e as crianças. Estas últimas, de maneira dupla. Além do risco
iminente de serem feridas ou mortas, crescem sob o símbolo da autoridade
mediada pela arma.
Há risco ainda maior quando esse suposto poderio se associa
a uma personalidade frágil ou narcisista – ambos são argumentos comuns e inconscientes
para o uso, manuseio ou exibicionismo da arma de fogo. É nestas horas,
infelizmente, que grandes tragédias podem ocorrer, e que serão chamadas
tristemente de “acidentes”. O pai, o tio, o vizinho, o amigo dono do revólver
ou pistola dirão que “a arma disparou sozinha”, que “estava apenas mostrando”,
que “não viu que estava carregada” ou que “deixou ali durante um segundo e a
criança pegou”. Nessas horas, ninguém terá culpa, nem o dono da arma –
legalizada ou não –, nem o fabricante, nem o vendedor – legal ou não –, nem o
político que votou a lei, nem quem defende essa prática. Chegaremos à
conclusão, pelo visto, de que a única culpada terá sido a criança, encontrada
pelo projétil inconsequente e feito para matar. “Nossa”, dirá a sociedade, surpreendida.
Fatalidade.
Tal contexto demonstra, igualmente, a relevância extrema da
política municipal e nacional de ampliação da Escola em Tempo Integral para
proteção das nossas crianças. A interrupção dos investimentos em Educação ou
redução da intensidade dos investimentos nesta modalidade de ensino podem
trazer diversos prejuízos para a segurança social e a qualidade do aprendizado
das crianças do Brasil.
O menino Marcos era muito parecido com qualquer outra
criança de sua idade. Na escola, estava no caminho para tornar-se um cidadão de
direitos, tentando a escola mostrar a ele horizontes mais amplos, lentamente
conquistando-o para um mundo de novas e melhores oportunidades. Um diálogo
permanente e complexo com o ambiente familiar de cada criança, feito por nossos
professores. A cultura da arma impediu-o. Fatalidade para a sociedade, fatal
para Marcos. No caixãozinho branco, com seus brinquedos ao lado, parecia
dormir.