Debates
Religião, futebol e política
Da Redação | 26 de abril de 2018 - 02:41
Por Mário Sérgio de Melo
Ainda bem menino, frequentemente escutava meu pai dizer: ─ “Religião,
futebol e política não se discutem com amigos”. Ele afirmava que tais
discussões descambavam sempre para brigas, e amizades viravam inimizades. Dizia
também que a afirmação já era dita pelo pai dele, meu avô. Portanto tratava-se
de sabedoria popular antiga.
Qual seria o motivo destes temas, todos eles tão
importantes, não poderem ser discutidos? Talvez pelo fato de que no Brasil são
temas que abraçamos com paixão, sem nenhuma racionalidade? Basta observar as
brigas que surgem quando começamos a discutir a nossa religião, o nosso time de
futebol ou a nossa opção partidária ou ideológica. Brigas que em alguns casos
degeneram em desvairada violência, como nos estádios de futebol, ou, felizmente
ainda não no Brasil, em atos de terrorismo em nome de convicções religiosas
e/ou ideológicas. Em outros casos, as divergências e as discussões políticas
geram ressentimentos que vão alimentando ódios. Estes em nosso país vêm sendo
extravasados em segregacionismos e agressões ainda não calamitosas. Até quando?
Por serem escolhas passionais, abdicamos de dedicar a estes
três temas os mesmos cuidados de confiabilidade nas informações, reflexão,
discernimento e objetividade que dispensamos a outros aspectos que nos são
vitais, no trabalho, na saúde, no lar, nas finanças... Em se tratando da
política, tal desobrigação de correção torna-nos analfabetos políticos. E não
há nada mais nefasto para uma sociedade que os analfabetos políticos.
Mesmo na religião e no futebol a irracionalidade nos
empobrece. A fé cega nos impede de ver e vivenciar os edificantes desafios e
conquistas do livre arbítrio e da compreensão da fé diversa da nossa. O
torcedor fanático não sabe apreciar o bom futebol praticado pelo time
adversário. Sofre com ele. Mas não existe nada pior do que a irracionalidade
política. Ela nos torna massa de manobra, gado tangido pelos dissimulados e
insinuantes interesses que só desejam nos manter como um rebanho que serve ao
deleite da insaciável cupidez da parcela de seres humanos que não logra
encontrar outro sentido na vida que não seja possuir, explorar e degradar o
próximo e o planeta.
A irracionalidade política cega mais que a fé cega.
Persuasivas técnicas de manipulação de massas, que atuam via a grande mídia e
atualmente também via redes sociais, deformam o que julgamos ser a nossa
opinião, constroem uma opinião estranha, que serve à realização de objetivos
que podem ser o oposto daquilo que nos beneficiaria.
E assim passamos a odiar o nosso vizinho, passamos a
demonizar aqueles que se dedicam a uma sociedade mais justa, ao fortalecimento
da soberania nacional frente a rapinantes e dominadores interesses
internacionais. E endeusamos quem a mídia nos apresenta com maquiados ares de civilidade.
A irracionalidade, seja na religião, no futebol ou na política, resulta da intrínseca qualidade humana do comodismo. Discernir, deixar de ser irracional, demanda empenho e envolve incertezas e riscos. Mas se não tivermos a coragem de nos tornarmos menos irracionais, não deixaremos de ser rebanho tangido. Nossos sonhos de emancipação humana continuarão sonhos. E o Brasil continuará deitado em berço esplêndido.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, Professor do Departamento de Geociências da UEPG