Debates
O cavalo de Troia e a guerra santa contra as mulheres
Da Redação | 17 de novembro de 2017 - 02:12
Por Mariana Prandini Assis
A PEC 181, aprovada em Comissão Especial da Câmara de
Deputados, vem sendo chamada de Cavalo de Troia. A proposta de emenda foi
inicialmente apresentada com o objetivo de ampliar os direitos das mulheres: as
mães de bebês prematuros fariam jus à extensão da licença maternidade pelo
mesmo período em que suas crianças tivessem ficado sob cuidado hospitalar.
Contudo, tal como os gregos fizeram com os troianos, parlamentares capitaneados
pelo Deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) modificaram substancialmente o texto da
emenda para incluir a palavra “concepção” na alteração dos dois artigos da
Constituição e definir que a vida começa na fecundação entre um óvulo e um
espermatozoide.
Assim como na Grécia, aqui também o Cavalo de Troia é uma
arma de guerra. Não é a proteção da vida que almejam os deputados que
propuseram a emenda, ou os que votaram por sua aprovação. Se com a vida
estivessem preocupados, teriam se levantado contra a mudança constitucional que
impôs ao país um regime de austeridade fiscal sem precedentes no mundo e que
afetará especialmente os serviços sociais e de saúde; ou contra a reforma
trabalhista, que institucionaliza condições sub-humanas de trabalho; ou ainda
contra o ‘auto de resistência’, atestado de morte da população jovem, negra e
periférica nas mãos do aparato repressor do estado.
A guerra que travam esses deputados, armados com argumentos
dogmáticos e lições patriarcais, é contra a autonomia e a dignidade das
mulheres. O objetivo da emenda proposta é criminalizar o aborto – hoje
permitido no Brasil apenas em caso de estupro, risco para a vida da mãe e feto
anencefálico – em todas as situações, colocando ainda mais mulheres na
clandestinidade que põe em risco suas vidas. Assim, para fazer valer seu dogma,
mas sobretudo seu desejo de dominação masculina, esse grupo de parlamentares
desprotege as mulheres ao mesmo tempo em que opta pela ampliação da pior
resposta a um problema de saúde pública, a cadeia.
Os gregos foram bem-sucedidos em sua estratégia porque os troianos confiaram em sua boa-fé. Do lado de cá do mundo, onde aprendemos com Dandara, Pagu, Margarida Alves, Elza Soares, Maria da Penha, dentre muitas outras, que a resistência é um modo de existência, desmontaremos esse cavalo antes que ele cruze as fronteiras de nossos corpos.
Mariana Prandini Assis, advogada feminista e popular do
Coletivo Margarida Alves, mestra em ciência política e doutoranda em política.