Debates
PL que regulamenta malabares em PG é higienista
Artigo escrito por João Elter Borges Miranda fala sobre projeto em discussão na Câmara Municipal de Ponta Grossa.
| 05 de novembro de 2016 - 02:21
Artigo escrito por João
Elter Borges Miranda fala sobre projeto em discussão na Câmara Municipal de
Ponta Grossa.
Creio que os pontagrossenses em alguma medida sabem que os
nossos representantes na Câmara Municipal de Ponta Grossa não são flor que se
cheire. Na vanguarda do retrocesso, eles sempre são capazes de encontrar um
meio de aumentar ainda mais a profundidade do fosso. O alçapão da vez é a
aprovação do projeto de lei nº 88/2016, de autoria do vereador Jorge da
Farmácia (PDT), que “proíbe a prática de jogos de malabares por parte de
artistas profissionais ou não, que utilizam, portem ou manuseiem substâncias
inflamáveis, facas, facões ou objetos cortantes em suas apresentações de rua no
município de Ponta Grossa”.
Votado na última segunda-feira (31), teve 19 votos
favoráveis e uma abstenção, em discussão única. A proposta supostamente
objetiva garantir a segurança de pedestres e motoristas que passam pelo local
da apresentação de malabares. Caso seja sancionada pelo prefeito Marcelo
Rangel, a prática passa a ser proibida a partir da data de publicação no Diário
Oficial.
Maquiada com o discurso da segurança, o âmago da medida é na
realidade higienista. A proibição esconde isso nas entrelinhas quando restringe
manifestações no espaço urbano sob alegações falaciosas de que elas põem em
risco a segurança da população. É estarrecedor ver que uma proposta para as
questões do espaço urbano de PG e das políticas públicas para os artistas de
rua se origine, assim, em discursos calcados nessa cosmovisão famigerada.
A medida propõe uma transformação do espaço criminalizando
algumas formas desses artistas se expressarem e ganharem o seu sustento. O
autor da proposta deixa claro no corpo do PL que ele sequer se deu ao trabalho
de ouvir os artistas de rua. O vereador conclui o texto afirmando que
“reclamações de cidadãos e a possibilidade dessas ações causarem acidentes
levaram a esta proposta. O Projeto, se aprovado, legitimará as autoridades na
fiscalização”. Em nenhum ponto expressou a opinião dos artistas de rua que
serão diretamente afetados. É inaceitável que o autor de uma proposta que
regulamenta a profissão de alguém não se preste a buscar meios de ouvir e
negociar com esse alguém.
Além disso, com base em que pesquisa o vereador formulou a
afirmação de que há risco de acidentes as manifestações dos artistas de rua?
Quais são os dados que apontam isso? Tratar como um risco à sociedade uma
atividade artística sem apontar a fonte que comprova essa suposta insegurança é
arbitrário e repressor.
Por essas razões, o PL é um atentado aos artistas de rua e,
por isso, jamais deveria ter sido aprovado. A Câmara Municipal, ao aprova-lo
sem o cuidado de desenvolver mecanismos para ouvir as pessoas que diretamente
serão afetadas pelo PL e sem apresentar as provas do risco que supostamente
envolve essa atividade artística, presta um desserviço à cidade. Além de
ser — no mínimo — um desrespeito aos princípios constitucionais elementares.
Num país em que os índices de violência são tão altos e a
produção artística fica praticamente restrita às classes ricas, aceitar que o
poder público, que se arvora como defensor e cultivador dos direitos do
cidadão, aja dessa maneira é perder a esperança na liberdade de expressão não
só dos artistas de rua, mas, de todo mundo.
Por João Elter Borges Miranda.